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CONTARDO CALLIGARIS
Separados e maduros
Cada vez que escrevo sobre
relações conjugais, recebo alguns e-mails perguntando-me:
"Afinal, qual é a sua? Será que você quer que as pessoas fiquem casadas, sacrificando sua autonomia e sua singularidade? Deveríamos renunciar a nós mesmos
para continuarmos juntos?". Certo que não. Conheço a tristeza das
relações falidas que continuam
por inércia. Não quero (nem poderia) promover a volta a uma
primazia da instituição do casamento sobre e contra os amores e
os humores dos indivíduos.
Mas meus correspondentes têm
razão: quase sempre me parece
que vale a pena fazer o esforço de
colar os cacos de uma relação em
crise. Ou, no mínimo, que vale a
pena tentar.
Essa atitude é uma medida preventiva, que me protege dos poderes de um lugar-comum: muitas
ideologias terapêuticas contemporâneas idealizam as separações
(não só de casais) como se fossem
sempre provas de força e de saúde
mental. Separar-se é bom, juntar-se é ruim. Separar-se é forte, juntar-se é fraco.
As relações ditas saudáveis seriam aquelas em que cada um poderia, sem problema, licenciar o
outro -sempre mantido a uma
distância prudente. Nessa ótica,
respeitar o amigo, o amante, o
cônjuge ou o parente significa
não pretender que ele mude por
causa da relação. Do mesmo jeito,
respeitar a nós mesmos é não
aceitar que sejamos transformados pela relação.
Paradoxo: a relação de sucesso
acaba sendo definida não como
aquela que descobriu um jeito de
dois ou mais ficarem juntos, mas
como aquela que pode quebrar
tranquilamente, porque cada um
ficou na sua.
Nenhuma surpresa. Nossa cultura valoriza o indivíduo. Portanto medimos a maturidade de
um sujeito pela sua independência dos outros. Ou seja, nossa concepção da maturidade é botânica:
"Amadureceu? Então, tem de cair
do ramo". A isso acrescenta-se
que, contrariamente à regra botânica, quem se separa vinga e cresce, enquanto quem fica preso
murcha ou apodrece.
Tornar-se adulto significa saber
renunciar ao seio e à presença da
mãe, logo sair de casa e dispensar
a mesada dos pais. Enfim, desejar
sem concessões ou compromissos
com o desejo dos outros. Aliás, o
contrário da separação para nós
não é a relação, mas imediatamente a fusão, em que toda individualidade será esmagada. O
moto é: separe-se ou perca-se.
Nunca é bom contrariar um
leitmotiv cultural. Dispomos de
infinitos exemplos dos efeitos catastróficos de fusões não resolvidas entre mães e crianças, entre
pais e filhos ou então entre amantes e entre cônjuges.
É claro que é melhor que a vida
de um casal não seja uma sauna
úmida onde todos se perdem e
quase sufocam. Também é bom
para as crianças que saiam do
útero materno, que se afastem da
mãe e, eventualmente, que deixem a casa dos pais e façam sua
vida. Mas talvez não seja necessário que todo esse processo seja
quase sempre descrito e apresentado como uma separação, e não
como a constituição ou a invenção de laços diferentes e viáveis.
Parece que, em nossa cultura,
amadurecendo, todos devem
aprender a separar-se, mas ninguém deve aprender a relacionar-se.
A separação como ideal subjetivo inspira nossos comportamentos em todas as relações que, por
serem cruciais, parecem ameaçar
nossa autonomia. Por exemplo,
muitos pais queixam-se de que,
ao lançar qualquer discussão, eles
encontram uma recusa brutal dos
filhos adolescentes. Quando o papo esquenta um pouco, os jovens
saem de perto. "Fazer o quê?
Amarrá-los?" Numa cultura em
que o afastamento é o caminho
ideal que dá acesso à maturidade,
não há por que estranhar que os
jovens gostem de bater as portas.
Quando uma relação está doente ou em crise, é frequente que a
culpa seja atribuída à escassa autonomia dos sujeitos, e não à sua
dificuldade em relacionar-se. Os
problemas seriam efeitos da infantilidade dos envolvidos, os
quais não seriam suficientemente
independentes, pediriam demais,
contariam demais com o outro
etc.
Nessa linha, os problemas de
um casal seriam resolvidos quando fossem resolvidos os problemas
de seus integrantes. Mesma coisa
para uma família ou para qualquer outra relação em crise. Há
uma verdade nisso: imagine, por
exemplo, que alguém seja constantemente animado pela fantasia inconsciente de produzir gritos e lágrimas na hora de sua saída. É inevitável que suas relações
sejam repetidamente tempestuosas e fracassadas. E, se ele resolver
seu problema, as relações nas
quais ele se envolverá serão beneficiadas.
Mas as dificuldades de relacionamento não são apenas a suma
das dificuldades dos parceiros
que se relacionam. Nem são sempre uma consequência da falta de
autonomia deles. Elas podem ser,
banalmente, o efeito de uma insuficiente disponibilidade ou da
incapacidade de travar amores,
amizades e convívios.
Ora, minha simpatia pelos esforços para manter e conciliar relações é uma maneira de apostar
que a maturidade não só seja a
capacidade de tolerar as separações mas também consista em inventar uma arte de relacionar-se.
Não terminei. Continua numa
próxima coluna.
E-mail: ccalligari@uol.com.br
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