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Australiano Peter Robb teria copiado trechos de "Notícias do Planalto", diz Mario Sergio Conti; autor nega; "A Death In Brazil" fala do governo de Fernando Collor e do assassinato de PC Farias
Elogiado livro sobre Brasil sofre acusação de plágio
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Há alguns dias, prestigiosas publicações nos EUA, na Europa e
na Austrália começaram a soltar
resenhas elogiosas sobre um livro
com um título instigante, "A
Death in Brazil" (uma morte no
Brasil), escrito por um jornalista
australiano, Peter Robb.
O "New York Times Review of
Books", suplemento literário do
jornal nova-iorquino, comparou
a obra à "Divina Comédia", de
Dante Alighieri; já o britânico
"Guardian" entregou a resenha
nas mãos de Alex Bellos, autor de
um best-seller sobre futebol brasileiro; há citação no semanário
"The Economist", entre outros.
Todos, sem exceção, recomendam a obra de não-ficção que narra as impressões e aventuras do
autor durante suas diversas visitas
ao Brasil nos últimos 20 anos, que
têm a amarrá-las três fios condutores. O primeiro é a relação do
brasileiro com a violência e a
morte, cujo primeiro exemplo
aparece já no começo do livro,
com um vívido relato do assalto
que Robb teria sofrido no apartamento em que vivia no Rio.
O segundo analisa a importância da obra de Machado de Assis,
Euclydes da Cunha e Gilberto
Freyre na formação cultural brasileira. O terceiro reconta, com a
visão do estrangeiro, o governo
Fernando Collor de Mello e o assassinato de seu ex-tesoureiro,
Paulo César Farias, em 1996.
É aí que mora o busílis.
Segundo o jornalista brasileiro
Mario Sergio Conti, autor de "Noticias do Planalto" (Companhia
das Letras, 1999), quando fala do
governo Fernando Collor (1989-1992) e de seu ex-tesoureiro, Paulo César Faria, o australiano plagia diversos trechos de seu livro,
que trata das relações de imprensa e poder e já vendeu 80 mil
exemplares.
"As comparações comprovam e
recomprovam que Robb roubou,
plagiou, copiou e parafraseou dezenas de frases do meu livro", dispara Conti, em entrevista por e-mail à Folha, de Paris, onde é correspondente da TV Bandeirantes
e do site No Mínimo. "Será que
copiaria e plagiaria um livro que
tivesse sido publicado em inglês?
Como "Notícias" saiu no Brasil, ele
agiu como predador colonial."
Peter Robb deu duas entrevistas
à Folha. Na primeira, por telefone, citou o livro de Conti como
uma de suas principais fontes. Na
segunda, por e-mail, o australiano
afirmou: "(as acusações) São ridículas num sentido e muito sérias
legalmente falando, e eu seria estúpido se fizesse qualquer comentário público sem saber exatamente do que ele me acusa".
Quanto às referências, Robb
respondeu: "Claro que usei "Notícias" como uma fonte de informações factuais sobre o governo Collor. Eu inclusive o cito e recomendo no final de meu livro. Mas também li e utilizei como fonte vários
dos mesmos livros que o próprio
Mario Sergio Conti leu e utilizou."
Entre os livros que cita estão
"Passando a Limpo", de Pedro
Collor, "Todos os Sócios do Presidente", de Gustavo Krieger, Luiz
Antonio Novaes e Tales Faria, "Os
Fantasmas da Casa da Dinda", de
Luciano Suassuna e Luis Costa
Pinto, e "Morcegos Negros", de
Lucas Figueiredo. Para o advogado Rodrigo Kopke Salinas, responsável pela disciplina de legislação e ética na indústria editorial
do curso de editoração da Universidade de São Paulo, a lei de direito autoral brasileiro, de 1998, não
traz a definição de plágio, "mas
sim de contrafação (cópia), que é
o uso não-autorizado de obra".
A reportagem mostrou a Salinas
os trechos publicados nessa página para que ele desse uma avaliação. "A princípio, parece-me que
há realmente muita coincidência
entre a tradução para o inglês e o
texto original", respondeu o advogado, por e-mail. "Em algumas
passagens, parece que há tradução literal e, em outras, a apropriação das informações, mas
com um tratamento diferente."
Se autor e editora acharem que é
o caso, o próximo passo é entrar
na Justiça nos países em que o livro de Robb foi publicado -até
agora, EUA, Reino Unido e Austrália. Conti ainda estuda: "Podemos processar e exigir reparações, podemos pedir providências às editoras que o publicaram,
podemos informar os jornais que
noticiaram o lançamento."
Luiz Schwarcz, da Companhia
das Letras, disse que a editora dará todo o amparo legal caso o brasileiro decida processar, mas que
isso será uma decisão pessoal.
Procurada pela Folha, a editora
de Robb nos EUA, Henry Holt
and Company, que lançou originalmente o livro, preferiu não se
manifestar sobre o assunto.
Peter Robb mora em Sidney, na
mesma Austrália em que nasceu
em 1946 (em Toorak) e deu aulas.
Trabalhou como jornalista e viveu um tempo em Nápoles, na
Itália. Antes de "Death", escreveu
"Midnight in Sicily", sobre o crime organizado na Itália, e "M",
biografia do pintor Caravaggio.
Polêmicas envolvendo sua obra
não são estranhas, como ele mesmo disse à Folha: "Todo livro
meu recebeu ameaças de algum
lugar. Minha biografia de Caravaggio teve sua credibilidade
questionada pelo autor de um livro rival que defendia uma visão
conservadora da vida do pintor".
Seu livro sobre o Brasil começa
com a frase "Como todo mundo,
eu fui para o Brasil para fugir",
mas ao longo de suas 368 páginas
seguintes foge do estereótipo do
país como um refúgio de criminosos internacionais. Cresce quando narra situações que mostram a
memória afetiva que o autor
guarda do país, nas saborosas
descrições gastronômicas.
Mas força a mão ao narrar os
Anos Collor, que ele toma como
um paradigma do país e cuja saga
permeia todo o livro -a tal morte
do título é o assassinato de PC Farias. "Meu livro é mais do que esse
caso, mas é um caso que me fascinou e que eu acompanhei como
se fosse uma telenovela", disse.
Curiosamente, os dois autores
se encontraram. "Ele me procurou no Rio", lembra Conti. "Almoçamos juntos na Sexta-Feira
Santa de 2001, ele elogiou meu livro, disse que pretendia escrever
sobre o Collor e o Lula, pediu ajuda. Passei-lhe o telefone de ambos, recomendei livros e pessoas a
conversar, falei para que me procurasse se quisesse mais ajuda.
Nunca mais ouvi falar da figura."
O australiano tem outra memória do encontro. "A não ser que
ele tenha mudado de idéia desde
2001, Conti acha que Susana Marcolino matou PC e se suicidou
porque ele ia deixá-la. Achei essa
versão perversa, simplista e grotescamente sentimental e contradita pelos fatos conhecidos."
A briga está só começando.
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