São Paulo, terça-feira, 21 de junho de 2011

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Ser ou não ser

Antunes Filho critica "drama malfeito" que vê nos palcos brasileiros e prepara montagem de Hamlet para fazer "teatro voltar a ser teatro"

Lenise Pinheiro/Folhapress
"Antígona"

NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

Pouco antes de estrear na direção, Antunes Filho, aos 19, foi ator em "Hamlet".
Era "extra", fazia um soldado, entrava com uma lança seguindo a marcação dada de última hora na coxia, durante a temporada paulista do "Hamlet" de Sérgio Cardoso (1925-1972), que marcou o início do teatro moderno no Brasil.
"Eu era garoto, entrava com barba: "Agora você entra". Tinha Sérgio Britto, Cacilda Becker... Maria Fernanda fazia Ofélia", diz.
"O Sérgio Cardoso era impressionante. A turma fala isso e coisa, mas era um grande ator, apesar de estereotipado. Sei como ele faz. Era muito característico: a voz, o jeito dele. Até imito para os atores", ri.
Mas não era uma interpretação empolada, como dizem? "Que empolada, que nada! Era ótimo. O que é belo é belo. A gente começa a ver tudo com ares críticos. Teatro, quando é bom, eu vou em frente, viajando."
Foi em 1948, quando o Teatro do Estudante do Brasil, de Paschoal Carlos Magno, se apresentou no Theatro Municipal. Era a encenação "daquele polonês", Hoffman Harnish, como Antunes recorda vagamente, referindo-se ao diretor alemão questionado na época por sua montagem exageradamente romântica, arrebatada.
Passadas mais de seis décadas e depois de montar outras cinco peças de Shakespeare -"Macbeth", "Romeu e Julieta", "A Megera Domada", "Ricardo 3º" e "Júlio César"-, o diretor Antunes Filho, 81, volta a "Hamlet".
"Ele é o refúgio hoje, um dos únicos que a humanidade tem para encontrar algo que ainda valha a pena, para encontrar a condição humana de novo", diz. "As fantasias do ser humano, as necessidades, as frustrações..."

AZÁFAMA
Antunes está inquieto com o teatro e o mundo de hoje.
"Eu vejo as pessoas que vão [ao teatro], elas aplaudem tudo, mas estão insatisfeitas, não só com o teatro, mas com a vida, com a azáfama que estamos vivendo. É um tropel, estamos sendo atropelados. Hoje a transição, a mudança, é fundamental. Você não é mais um ser, mas estando ser."
Ele questiona a pós-modernidade, o "modernismo líquido", como descreve. "A tecnologia está muito bárbara. A informação é uma coisa bárbara hoje em dia. Você fica sempre com a última coisa que passa naquele dia, com a última notícia. "Como?" "O quê?". Você não consegue mais acompanhar o mundo."
Daí "Hamlet". "Quando você pega Shakespeare, assenta, se reencontra. "Oba, eu posso olhar uma árvore, ou este entardecer." Isso tem a ver com Shakespeare."
Sobre o palco, propriamente, vê uma "crise incrível, com o drama malfeito", referência ao teatro baseado na palavra, "e o pós-dramático mais malfeito ainda", referência ao teatro como performance, sem privilégio ao texto. Diante da crise, "Hamlet" foi sua "ilha".
"Quero fazer o "Hamlet". Mas para quê, se estou criticando tanto a falta de técnica do ator? Ah, eu preciso de uma técnica especial para o "Hamlet". Não um naturalismo, um realismo idiota, mas a dimensão. Tem que me transportar, tirar do solo. Quero chegar a uma dimensão que me transporte."
Em suma, "fazer "Hamlet" tem um pouco da utopia de acreditar que o teatro pode voltar a ser teatro", independentemente do embate dramático/pós-dramático.

RIDE, PALHAÇO
O diretor dá apenas duas pistas sobre seu espetáculo, sem previsão de chegar aos palcos, mas já na sala de ensaios do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc.
A primeira é o humor metalinguístico de Shakespeare e do próprio personagem, que Antunes vê como "engraçado": "É o ride, palhaço. Ride, palhaço, é por aí que eu vou... É o Hamlet fazendo um ator que faz o Hamlet".
A segunda indicação também é obscura: "O meu "Hamlet" é satânico, como o Shakespeare é satânico. Só quem tem o pé no inferno consegue fazer aquilo. Um no céu, o outro no inferno. Se eu conseguir pegar essa coisa satânica e colocar no palco, estou satisfeito."
"Muitas vezes, eu não entendia bem o Shakespeare. Ele é maravilhosamente satânico. Às vezes, fala coisa demais, mas não é, está certo, eu é que estava errado. É incrível."


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