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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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Português Álvaro Siza, que projeta o Museu Iberê Camargo, analisa o espaço urbano em SP

Arquitetura do deslocamento

Fabiana Beltramin - 18.jul.2003/Folha Imagem
Área da Pinacoteca do Estado, citada por Álvaro Siza como exemplo de boa arquitetura


IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A mobilidade e o deslocamento são idéias que não saem da cabeça do português Álvaro Siza, 70, considerado um dos maiores arquitetos do mundo. A degradação que o centro de São Paulo enfrenta, por exemplo, é apenas uma questão de mobilidade e deslocamento para Siza.
"Há uma transferência de importância do centro, um deslocamento de atividades por razões várias. Os centros entram em decadência porque outros núcleos surgem. É uma grande mobilidade", afirma o vencedor do Pritzker, o "Nobel" da arquitetura.
Também orbita entre essas idéias o que ele considera um dos maiores problemas de São Paulo: "os deslocamentos, que ocupam grande parte do dia do cidadão".
Mas há jeito para tudo isso, apressa-se em dizer o português. "O Soho, em Nova York, que eu conheci como zona degradada, hoje está recuperado."
Siza, que esteve em São Paulo na semana passada, chegou ao país na terça-feira para a primeira visita de rotina às obras de seu novo projeto, o Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre.
Pois foi entre os deslocamentos das duas capitais que Siza encontrou tempo para falar à Folha. Abaixo, a entrevista.

Folha - O que o senhor acha de São Paulo?
Álvaro Siza -
Em primeiro lugar, é uma cidade extraordinária, de uma intensidade fora do comum. O comércio distribuído por toda a parte, os restaurante sempre cheios, o barulho. É muito variada, com vários núcleos autônomos crescendo simultaneamente. Basta dizer, para nós portugueses, que São Paulo tem o dobro da população de Portugal.

Folha - O senhor poderia falar um pouco mal da cidade?
Siza -
Claro, nas cidades há sempre aspectos a criticar. Em São Paulo, eu destacaria os problemas de conforto. Os deslocamentos, que ocupam grande parte do dia do cidadão, além da poluição e do barulho. Essa mobilidade que produz degradação e gera desconforto. O grande debate sobre as cidades é sobre isso. Todo cidadão sofre na pele. Não se pode centralizar a crítica somente nos aspectos arquitetônicos.

Folha - Falando nisso, e a arquitetura?
Siza -
Tem arquitetura de grande qualidade, como seria de esperar de uma cidade dessa importância no Brasil. Podemos ver obras de grandes arquitetos, tanto da geração anterior quanto da atual.

Folha - Que obras chamaram sua atenção?
Siza -
Para dar um exemplo, cito a Pinacoteca, que conheci. Mas há muitas outras que não visitei. Vejo a Pinacoteca como um edifício muito interessante, recuperado de forma extraordinária, mantendo o caráter original e adaptando às necessidades de fazer exposições. Na minha primeira visita, me marcou especificamente a zona central e os trabalhos de Lucio Costa e outros que tanto influenciaram a arquitetura européia e portuguesa. Arquitetos que surgiram quando eu começava.

Folha - O que o marcou no centro de São Paulo?
Siza -
No centro, considero extraordinárias as casas de pequenas dimensões ao lado de novas obras, dando grande diversidade. Mas a cidade também é extraordinária do ponto de vista topográfico. Essa foi minha quarta visita à cidade. Antes da primeira, achava que era uma cidade plana, extensíssima, com auto-estradas atravessando. Bem, ela é tudo isso, mas não é só plana. Tem muitas diferenças em cada região.

Folha - O senhor não achou que o centro anda muito feio?
Siza -
Centro, nas grandes cidades, é uma coisa própria. As grandes cidades de hoje, contemporâneas, não têm um só centro, mas uma multiplicidade de núcleos organizativos. Há uma transferência de importância do centro, um deslocamento de atividades por razões várias. Entram em decadência porque outros núcleos surgem. É uma grande mobilidade. Ocorre de forma intensa em várias cidades, como em Nova York, onde zonas entraram em decadência e depois foram recuperadas. Por exemplo, o Soho, que eu conheci como zona degradada, hoje está recuperado.

Folha - Recentemente fala-se muito em São Paulo do hotel Unique, que lembra uma fatia de melancia, e do Instituto Cultural Tomie Ohtake, que parece uma carambola. Carambola é uma fruta, não sei se o senhor conhece. O senhor visitou esses prédios?
Siza -
Ora, então estão na época de fruta por aqui? A fruta no Brasil é muito boa! [risos] Infelizmente não conheço esses edifícios para comentar. Mas as polêmicas têm sempre razão de ser. Pode haver polêmica por edifícios de muita qualidade, mas às vezes não. Ocorre que às vezes se procura as novidades de forma muito desesperada. Nesse caso, não sei dizer, mas pode ser que esses edifícios impressionem de tal forma que movam discussões. O edifício medíocre, banal, sem qualidade, cinzento, sem interesse, mal feito, vulgar, esse nunca desperta polêmica. Mas por vezes isso também é bom.

Folha - O senhor ainda acha que os museus estão virando shopping centers?
Siza -
Não há dúvidas de que as necessidades de manutenção de um museu são caras. Por isso tem havido um aumento de interesse de duas áreas: o restaurante e a loja. Essas áreas estão cada vez maiores, o que minimiza cada vez mais a parte destinada a exposições. Mas há exageros. Veja o Louvre. A pessoa viaja até lá e, quando chega, tem que atravessar um supermercado!


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