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Português Álvaro Siza, que projeta o Museu Iberê Camargo, analisa o espaço urbano em SP
Arquitetura do deslocamento
Fabiana Beltramin - 18.jul.2003/Folha Imagem
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Área da Pinacoteca do Estado, citada por Álvaro Siza como exemplo de boa arquitetura |
IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL
A mobilidade e o deslocamento
são idéias que não saem da cabeça
do português Álvaro Siza, 70, considerado um dos maiores arquitetos do mundo. A degradação que
o centro de São Paulo enfrenta,
por exemplo, é apenas uma questão de mobilidade e deslocamento para Siza.
"Há uma transferência de importância do centro, um deslocamento de atividades por razões
várias. Os centros entram em decadência porque outros núcleos
surgem. É uma grande mobilidade", afirma o vencedor do Pritzker, o "Nobel" da arquitetura.
Também orbita entre essas
idéias o que ele considera um dos
maiores problemas de São Paulo:
"os deslocamentos, que ocupam
grande parte do dia do cidadão".
Mas há jeito para tudo isso,
apressa-se em dizer o português.
"O Soho, em Nova York, que eu
conheci como zona degradada,
hoje está recuperado."
Siza, que esteve em São Paulo na
semana passada, chegou ao país
na terça-feira para a primeira visita de rotina às obras de seu novo
projeto, o Museu Iberê Camargo,
em Porto Alegre.
Pois foi entre os deslocamentos
das duas capitais que Siza encontrou tempo para falar à Folha.
Abaixo, a entrevista.
Folha - O que o senhor acha de
São Paulo?
Álvaro Siza - Em primeiro lugar,
é uma cidade extraordinária, de
uma intensidade fora do comum.
O comércio distribuído por toda a
parte, os restaurante sempre
cheios, o barulho. É muito variada, com vários núcleos autônomos crescendo simultaneamente.
Basta dizer, para nós portugueses,
que São Paulo tem o dobro da população de Portugal.
Folha - O senhor poderia falar um
pouco mal da cidade?
Siza - Claro, nas cidades há sempre aspectos a criticar. Em São
Paulo, eu destacaria os problemas
de conforto. Os deslocamentos,
que ocupam grande parte do dia
do cidadão, além da poluição e do
barulho. Essa mobilidade que
produz degradação e gera desconforto. O grande debate sobre
as cidades é sobre isso. Todo cidadão sofre na pele. Não se pode
centralizar a crítica somente nos
aspectos arquitetônicos.
Folha - Falando nisso, e a arquitetura?
Siza - Tem arquitetura de grande
qualidade, como seria de esperar
de uma cidade dessa importância
no Brasil. Podemos ver obras de
grandes arquitetos, tanto da geração anterior quanto da atual.
Folha - Que obras chamaram sua
atenção?
Siza - Para dar um exemplo, cito
a Pinacoteca, que conheci. Mas há
muitas outras que não visitei. Vejo a Pinacoteca como um edifício
muito interessante, recuperado
de forma extraordinária, mantendo o caráter original e adaptando
às necessidades de fazer exposições. Na minha primeira visita,
me marcou especificamente a zona central e os trabalhos de Lucio
Costa e outros que tanto influenciaram a arquitetura européia e
portuguesa. Arquitetos que surgiram quando eu começava.
Folha - O que o marcou no centro
de São Paulo?
Siza - No centro, considero extraordinárias as casas de pequenas dimensões ao lado de novas
obras, dando grande diversidade.
Mas a cidade também é extraordinária do ponto de vista topográfico. Essa foi minha quarta visita à
cidade. Antes da primeira, achava
que era uma cidade plana, extensíssima, com auto-estradas atravessando. Bem, ela é tudo isso,
mas não é só plana. Tem muitas
diferenças em cada região.
Folha - O senhor não achou que o
centro anda muito feio?
Siza - Centro, nas grandes cidades, é uma coisa própria. As grandes cidades de hoje, contemporâneas, não têm um só centro, mas
uma multiplicidade de núcleos
organizativos. Há uma transferência de importância do centro,
um deslocamento de atividades
por razões várias. Entram em decadência porque outros núcleos
surgem. É uma grande mobilidade. Ocorre de forma intensa em
várias cidades, como em Nova
York, onde zonas entraram em
decadência e depois foram recuperadas. Por exemplo, o Soho,
que eu conheci como zona degradada, hoje está recuperado.
Folha - Recentemente fala-se
muito em São Paulo do hotel Unique, que lembra uma fatia de melancia, e do Instituto Cultural Tomie Ohtake, que parece uma carambola. Carambola é uma fruta,
não sei se o senhor conhece. O senhor visitou esses prédios?
Siza - Ora, então estão na época
de fruta por aqui? A fruta no Brasil é muito boa! [risos] Infelizmente não conheço esses edifícios
para comentar. Mas as polêmicas
têm sempre razão de ser. Pode haver polêmica por edifícios de muita qualidade, mas às vezes não.
Ocorre que às vezes se procura as
novidades de forma muito desesperada. Nesse caso, não sei dizer,
mas pode ser que esses edifícios
impressionem de tal forma que
movam discussões. O edifício medíocre, banal, sem qualidade, cinzento, sem interesse, mal feito,
vulgar, esse nunca desperta polêmica. Mas por vezes isso também
é bom.
Folha - O senhor ainda acha que
os museus estão virando shopping
centers?
Siza - Não há dúvidas de que as
necessidades de manutenção de
um museu são caras. Por isso tem
havido um aumento de interesse
de duas áreas: o restaurante e a loja. Essas áreas estão cada vez
maiores, o que minimiza cada vez
mais a parte destinada a exposições. Mas há exageros. Veja o
Louvre. A pessoa viaja até lá e,
quando chega, tem que atravessar
um supermercado!
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