São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2008

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ENTREVISTA:
AI WEIWEI


Artistas e autores chineses nunca acham nada

"Os intelectuais deveriam ser a consciência dessa sociedade, mas não são", diz artista

DE PEQUIM

Veja os principais trechos da entrevista que o artista Ai Weiwei, 51, concedeu à Folha em sua casa, em Pequim, entre o luminoso "Fuck" na entrada e uma escultura de uma mão com o dedo médio em riste.

 

DECEPÇÃO OLÍMPICA
Estou cansado da propaganda. Todos os chineses queriam a Olimpíada, convidar o mundo a nos conhecer, falar a mesma língua, fazer a China ser aceita na comunidade internacional. Tínhamos esperança que forçasse o governo a ser mais democrático, houve promessas de mudanças. Para mim, foi uma decepção. Não foram honestos.

SEM FESTA
A Olimpíada não será uma festa para o povo. Há barreiras, política de segurança, blitz, repressão, proibição de circulação de carros, parece tempo de guerra. Não é uma festa. Acho que até reunião de ex-colegas do colegial, com gente bebendo, tem mais diversão. Nesses Jogos, o governo está ensinando até como os chineses devem sorrir. É vergonhoso, nojento. O povo chinês é mais esperto, divertido, e esse governo é tão sem humor, parece que veio de outro planeta.

SOCIEDADE PRIMITIVA
O país tem 5.000 anos, mas ainda sofre com a insegurança do que o mundo vai achar da Olimpíada. Esse governo tem 30 anos, é inexperiente. Não são nada relaxados. Na verdade, eu deveria ser o chanceler. Deveriam me nomear. Pegaria mais leve internacionalmente. A China não ficou mais aberta por causa da Olimpíada, ao contrário. O país até estava mais aberto, mas, às vésperas dos Jogos, os líderes chineses estão controlando tudo demais. Pelo lado positivo, é porque têm muito medo de cometer erros, então exageram. Vira bagunça se controla demais, se não controla é bagunça do mesmo jeito. Nossa sociedade é ainda muito primitiva.

BRASIL?
A China está seguindo um modelo brasileiro, perigoso. No topo, os ricos, intocáveis, e o resto, pobre, que não tem nada. Os ricos definitivamente ficam mais ricos aqui nesse capitalismo socialista, onde existe o poder do socialismo, do partido, que leva o dinheiro a mãos privadas, a gente com boa relação com o governo. Esse é o maior crime. Os pobres não têm direito, não podem votar ou se expressar. Isso só vai criar problemas. Não sou muito otimista se teremos democracia, mas temos que lutar por ela.

CENSURA
Há muito menos censura no mundo da arte que em outras esferas na China. Mas não há muito o que censurar, a maioria dos artistas não adota confronto ou crítica dura ao governo. O cinema, a TV, os meios de massa são muito mais censurados. A arte ainda atinge uma minoria. Nessa sociedade, ninguém fala nada. Intelectuais, artistas, escritores nunca acham nada. Fico parecendo o louco. Acho que os intelectuais chineses são sem-vergonha, querem tirar vantagem, não usam sua suposta reflexão, sua responsabilidade de falar a verdade. Os intelectuais deveriam ser a consciência dessa sociedade, mas não são.

A NOVA PEQUIM
Não gosto da Pequim antiga, nem da moderna. A velha era da sociedade imperial, onde havia a monarquia vivendo bem nos palácios e o resto vivia como ratos, tempos sombrios. A nova é resultado da corrupção, da falta de planejamento, da feiúra. Ambas não são humanas. Precisamos de democracia. Se fosse mais feia, mais bagunçada, sem a mão pesada do governo, já seria mais confortável. Cidades precisam de variedade, aqui tem governo demais. Eles dão novo visual, mas não dão nova vida.

NÃO É NINHO!
Não fui convidado para a abertura do estádio, não dão a mínima para mim nem para os arquitetos suíços que o desenharam. Nunca são citados. Jacques Herzog e Pierre de Meuron me convidaram, não o governo, a ser consultor da obra do estádio. Não é ninho de passarinho. Se quiséssemos, seria mais parecido com um ninho de verdade. Na verdade, descrevemos o conceito, que tem a estrutura construtiva de um ninho, interligado. Mas não a forma, que é abstrata.

REVOLUÇÃO CULTURAL
Muitos artistas usam imagens da Revolução Cultural como uma maneira de se livrar dessa memória política terrível do país. Mas muitos usam essas imagens só para vender. É a imagem que os estrangeiros entendem e procuram da China. Há muito comercialismo, escuto dizer que o bairro 798 [distrito artístico de Pequim] é bem comercial, mas não participo. Espero que Caochangdi continue calmo e acessível para os artistas.

ARTE CHINESA
Há comercialismo e há artistas que não são comerciais no mundo inteiro. Só que na China é mais óbvio porque, em apenas 30 anos, o país ficou rico, surgiram muitos ricos. Há artistas que fazem arte, outros que estão mais atrás de fazer dinheiro. Há cinco anos, ninguém conseguia vender uma obra e me perguntavam o porquê. Hoje todo mundo pergunta: por que todos os artistas chineses vendem tanto? Obras são vendidas ou não, quem explica é mercado, não é a arte.
Faço arte contemporânea desde o final dos anos 70. Ninguém dava muita bola para o nosso trabalho, não vendia. Só comecei a vender em Nova York, nos anos 80. Fiquei mais de uma década lá e não era esse sucesso. Não sei porque compram arte chinesa.
(RAUL JUSTE LORES)


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