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ARTIGO
Não veio para confundir, mas organizar
NICOLAU SEVCENKO
especial para a Folha
"...E abre alas que eu quero
passar!/ Nós somos os brasileiros auriverdes!/ As esmeraldas
das araras/ Os rubis dos colibris/
Os abacaxis as mangas os cajus/
Atravessam amorosamente/ A
fremente celebração do Universall.../
De longe em longe gritam solitários brilhos falsos/ Perfurando
o sombral das figueiras:/
Berenguendéns berloques ouropéis de Oropa consagrada/
Que o goianá trocou pelas pepitas de ouro fino..."
Todo poema de Mário de Andrade era um manifesto. Ele era
um agitador cultural nato.
Ao contrário do Chacrinha,
não veio para confundir, mas
para organizar.
Do mesmo modo que o "velho guerreiro", sempre esteve
no centro da cena, até mesmo
quando todos usavam suas
idéias e deliberadamente omitiam seu nome.
Sua influência foi tão onipresente na cultura brasileira deste
século que difundiu o hábito
quase automático de não se
anunciá-la.
Ele usou de todos os recursos
que pôde para divulgar suas
idéias. Escreveu poesia, ficção,
ensaio, crítica e jornalismo.
Atuou no meio intelectual paulista, em contato direto com Manuel Bandeira, Carlos Drummond e Augusto Frederico
Schmidt.
Aconselhou Anita Malfatti,
Tarsila do Amaral, Victor Brecheret, Heitor Villa-Lobos e
Cândido Portinari.
Elogiou o Martin Fierro, apresentou Jorge Luis Borges aos
brasileiros, pregou a abertura
para a América Latina evocando
o projeto do Ministro da Educação do México, José Vasconcelos e as realizações dos pintores
muralistas.
Andrade articulou o Departamento Municipal de Cultura em
São Paulo e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico no
Rio de Janeiro.
Deu aulas na Universidade do
Distrito Federal, em São Paulo
iniciou cursos de folclore e etnografia, lecionou no conservatório e criou a primeira discoteca
pública.
Cendrars e Paulo Prado
Só recentemente tem ficado
mais claro quais as raízes sociais
e culturais mais profundas da
atuação programática de Mário
de Andrade.
Seus fundamentos são ambivalentes. De um lado está a inspiração do poeta franco-suíço
Blaise Cendrars, um dos fundadores da poesia cubista junto
com Apollinaire, boêmio anárquico, preconizador do internacionalismo democrático.
Do outro, o conservadorismo
nacionalista autoritário de
Afonso Arinos e Paulo Prado,
carregado dos ressentimentos
da cafeicultura em crise, da dinâmica imprevisível dos processos globais de modernização e
do impacto desestabilizador da
imigração maciça.
Da complexa síntese que Mário elaborou dessas fontes, derivariam, contraditoriamente,
tanto o projeto cultural do populismo brasileiro desde Vargas, quanto o horizonte crítico
da intelectualidade engajada de
oposição.
O enigma Mário de Andrade
ainda nos devora.
Nicolau Sevcenko é professor de história da
cultura no departamento de história da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).
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