São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SHOW/CRÍTICA

Espetáculo sela paz entre João Gilberto e São Paulo

MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O primeiro dos três shows de João Gilberto no Tom Brasil, na noite de sexta-feira passada, marcou o reencontro do inventor da bossa nova com os paulistas. O artista estava alegre, contou casos engraçados e incentivou a platéia a cantar junto com ele.
Com humilde valentia, quase no fim do show, João Gilberto pediu desculpas pelo equívoco que fora a sua apresentação anterior na cidade, em setembro de 99, quando participou do show de inauguração do Credicard Hall. Na ocasião, João Gilberto queixou-se do pavoroso sistema de som da casa de espetáculos (que foi melhorado nos meses seguintes) e foi vaiado por parte da platéia.
Musicalmente, o espetáculo marcou mais um passo do artista na sua busca das verdades da tradição musical brasileira, para torná-las novas, vivas, imortais. Cantou todas as músicas em português, deixando de lado sucessos em inglês, espanhol e italiano.
A reinvenção começou logo no samba de abertura, "Odete", de Herivelto Martins. João Gilberto começou a cantá-lo pelo meio, iluminando o palco com um inesperado verso de timbre solar: "Lá no morro da Mangueira, quando o sol vai se escondendo".
Pouco depois, na maior surpresa da noite, o artista deu de presente a São Paulo a sua primeira interpretação em público de "Carnaval da Vitória". Ele aprendeu a música com Aracy de Almeida, guardou-a de cor e a retrabalhou por anos a fio, ensaiando-a centenas, milhares de vezes. Na sexta-feira, o "Carnaval" estava pronto e pôde ser compartilhado.
Antes de cantar "Bahia com H", contou que o seu compositor, Denis Brean, de quem foi amigo, era paulista de Campinas e nunca esteve na Bahia -apesar de a letra da música descrever Salvador em minúcias, "tal qual um postal". "Ele tinha medo de viajar de avião", disse, para divertimento do público.
"Vocês me digam se não estou enchendo", disse, à vontade, no meio do show, recebendo e retribuindo o afeto da platéia. "É que estou cantando, cantando, e nem sei se já cantei demais."
Depois, comparou-se, de brincadeira, com Ella Fitzgerald: "Ela ficava nervosa antes do show, mas depois que entrava não queria sair, precisava chamar o Corpo de Bombeiros para tirá-la do palco".
O artista não reclamou do som do Tom Brasil, que claudicou em alguns momentos. "Se vocês estão ouvindo bem, e o show é para vocês, não vou reclamar", disse ele. Também não se abalou quando, ao cantar "Rosa Morena", de Dorival Caymmi, seus óculos caíram no chão.
Na parte final, quando interpretou "Chega de Saudade", "O Pato" e outros clássicos de seu repertório, João Gilberto pediu que as 1.300 pessoas que lotavam o Tom Brasil cantassem junto. Ele acha que os paulistas rivalizam com os baianos em afinação. E não esquece que São Paulo foi a primeira cidade em que fez sucesso o seu disco de estréia, "Chega de Saudade", há mais de 40 anos.
O show terminou com o canto coletivo de "Corcovado", congraçamento de artista e público. Chega de saudade: João Gilberto voltou e está de bem com São Paulo.

Avaliação:     



Texto Anterior: Relâmpagos - João Gilberto Noll: O ex-cineclubista
Próximo Texto: Homenagem: Guimarães Rosa vira "Schindler" em SP
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.