São Paulo, terça-feira, 21 de agosto de 2001

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Novo espetáculo do coreógrafo leva dança a bairro pobre em busca de inserção cultural

Bertazzo sobe a maré

Fotos Leonardo Aversa/Divulgação
Além de Seu Jorge (acima) o espetáculo (à esq.) conta com a Orquestra Retratos do Nordeste entre suas atrações musicais


Musical "Folias Guanabaras" tem estréia dia 4 de setembro, no Rio, com o Corpo de Dança da Maré

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Como toda grande cidade brasileira, o Rio de Janeiro é hoje uma cidade partida em pequenas comunidades, que a cada dia se diferenciam mais umas das outras. Centrado na noção de cidadania, o projeto Mãe Gentil, de Ivaldo Bertazzo, busca a inserção, pela dança, de uma população menos favorecida no contexto comum da cultura da cidade -e, por extensão, do país.
Um dos nossos mais renomados coreógrafos, professores de dança e de reeducação postural, desde os anos 70 Bertazzo vem desenvolvendo trabalhos com "cidadãos-dançantes": representantes de variadas classes sociais e das mais diversas áreas de atuação, engajados num trabalho que põe em xeque não só nossas idéias feitas sobre o corpo, mas também nossa idéia de Brasil.
O espetáculo deste ano, "Folias Guanabaras", é a continuação do projeto Mãe Gentil, que teve início no ano passado. A escolha do elenco -integrantes do Complexo da Maré, um bairro pobre do Rio- foi sugestão do patrocinador (Petrobras), que já desenvolvia um programa na região. A parceria terá continuidade em 2002, com a criação da Escola do Teatro Musical Brasileiro.
O Corpo de Dança da Maré conta com 66 integrantes, todos em idade escolar. Eles trabalham em oficinas de quatro horas diárias, de segunda a sexta, e oito horas no fim de semana, sob a orientação de músicos, bailarinos e atores. Todos recebem salário de R$ 200.
"A cultura é uma fusão de mundos", diz o filósofo Pierre Lévy, numa frase que vem ao encontro das idéias de Bertazzo: "Culturalmente, o Brasil é tão diferente -e o mundo, nem se diga!- que temos de propor um exercício de troca e escuta, fundindo linguagens e procurando o que vai dar. Sem nos preocuparmos com o risco de o espetáculo ser ou não bem aceito pela mídia. Senão, corremos o risco de nos fecharmos em fronteiras muito empobrecedoras".
"Folias" tem 88 artistas em cena: a Orquestra Retratos do Nordeste, Elza Soares, Seu Jorge, Rosi Campos e o Corpo de Dança da Maré. Os textos desse teatro musical são de Bráulio Tavares. Tudo sob a direção de Bertazzo.
Na recuperação da consciência corporal desses novos "cidadãos-dançantes", o mais difícil é a conquista da concentração e interiorização de cada indivíduo. Que Bertazzo acredita ser a chave para a melhoria de todos nós: "É uma maneira de transformar as suas emoções, os seus desejos, as suas angústias, de uma forma organizada, e não como uma explosão inadvertida. Fazer arte para sociabilizar o indivíduo passa por essa interiorização".
Os bailes funk, eventos marcantes na comunidade, foram assistidos por Bertazzo e se integram ao espetáculo por registros de vídeo. Para ele, o funk é como o axé: começa bem, depois se fecha em clichês e acaba só num movimento inadequado da bacia. "Pode-se e deve-se mexer a bacia, mas não dessa forma tão desorganizada. Para nos expressarmos, o corpo deve ser usado como um todo."
A intervenção do projeto Mãe Gentil na Maré tem de ser pensada dessa perspectiva renovadora, decidida a confrontar, ao mesmo tempo, os preconceitos de quem vive longe dali e os lugares-comuns da própria comunidade.
A "cidade dividida" de que falou Zuenir Ventura, um dos autores presentes no livro do espetáculo, pode ser unificada culturalmente: "O público se aproxima dos meninos e tem uma relação de olhar, de uma expressão sem agressão. E essa relação de encantamento... eu acredito que diminua a violência. Cria-se assim uma possibilidade real de acesso à sociedade".
O Teatro Musical Brasileiro, segundo Bertazzo, é mesmo um grande exercício de organização. Que ele seja feito num espírito de irreverência não altera esse fato, até pelo contrário: "Você pode fazer fusões e abrir possibilidades de transformação, sem agredir a arte de cada um. As coisas têm de vir para a cidade, para serem transformadas".
Resumo da não-ópera: em "Folias Guanabaras", Bertazzo, mais uma vez, apresenta o Brasil para o Brasil.


FOLIAS GUANABARAS - Quando: de 4 a 23 de setembro no ginásio do Sesc Tijuca (Rio, tel. 0/xx/21/238-4566); de 5 a 12 de outubro no teatro Vila Velha (Salvador, tel. 0/xx/71/336-1384) e de 7 a 18 de novembro no Sesc Pompéia (São Paulo, tel. 0/xx/11/3871-7700). Quanto: de R$ 5 a R$ 10. Patrocinador: Petrobras.


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