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Ciclo discute a "banalidade da moral"
Em seminário, filósofo Franklin Leopoldo e Silva diz que, com indiferença da sociedade, jogatina ocupou espaço público
Conferência será amanhã no Rio e quinta em São Paulo dentro de "O Esquecimento da Política", série que começa hoje
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
O professor de filosofia da
USP Franklin Leopoldo e Silva
afirma que os políticos e as elites transformaram "o espaço
público da política em palco de
conflitos de interesses privados". "Os indivíduos não vêem
por que politizar a vida, valorizando a sua dimensão pública;
não esperam resultados positivos de seus julgamentos e então não vêem por que fazê-los."
A política estará em alta a
partir de hoje, quando começa
no Rio o seminário coordenado
pelo filósofo Adauto Novaes.
Mas o sociólogo Francisco de
Oliveira -que fala hoje e abre a
série em São Paulo, na quarta,
no Sesc Avenida Paulista -e os
outros palestrantes de "O Esquecimento da Política" exaltarão a política como sinônimo
de interesse público, algo que
boa parte dos parlamentares
brasileiros desconhece.
"Seria demais pedir que a expressão adequada da experiência social de uma comunidade
política fosse algo diferente do
modelo da jogatina?", pergunta
Leopoldo e Silva, que abordará
o tema "Moralidade como Política" amanhã no Rio e quinta
em SP. Em entrevista por e-mail, ele explica o conceito de
"banalidade da moral" e diz que
a impunidade ajuda a entender
a força de Lula nas pesquisas.
FOLHA - O que é a "banalidade da
moral" e como o conceito pode nos
ajudar a observar o Brasil de hoje?
FRANKLIN LEOPOLDO E SILVA -
Quando os indivíduos e a sociedade não conseguem dar o devido peso aos critérios de apreciação das condutas, tudo se
torna igualmente natural e indiferenciado. As pessoas já não
são capazes de admirar-se
diante da retidão nem de indignar-se diante da podridão. Tudo se torna trivial, e a vida passa
a ser regida pela banalidade,
que é a indiferença diante das
coisas e diante do bem e do mal.
Hannah Arendt [1906-1975,
teórica política] afirma que isso
acontece porque as pessoas
perdem a capacidade de julgar
e decidir por si mesmas o que
seria melhor para elas. Em certos momentos e lugares, oprimir, humilhar, matar e morrer
se tornam banais porque o modo como se vive não permite
julgar a gravidade das ações.
Quando se vive num clima de
amoralidade, tudo que se possa
dizer acerca da moral perde o
sentido. Hoje, no Brasil, vemos
uma grande indiferença política. Os indivíduos não esperam
resultados positivos de seus
julgamentos e então não vêem
porque fazê-los. A causa disso é
que os políticos e as elites
transformaram o espaço público da política em palco de conflitos de interesses privados.
FOLHA - O país vive uma crise moral, por causa dos escândalos, ou é
um erro aplicar juízos morais no
campo da política?
SILVA - O país vive uma crise
política cuja gravidade pode ser
medida pela constatação do desaparecimento da política, isto
é, da completa dissolução do interesse público. A facilidade
com que são aplicados juízos
morais no campo da política é
conseqüência desse desaparecimento, o que torna esses juízos meramente formais, quando não inteiramente cínicos.
Como só existe integridade individual num contexto de integridade social, e como essa reciprocidade deixou de existir há
muito tempo -e não só no Brasil- os julgamentos morais expressam muito mais interesses
particulares não atendidos do
que apreciações críticas acerca
da sociedade. Nesse sentido são
mera retórica ou jogos de cena
com finalidade eleitoreira.
FOLHA - Na sinopse de sua conferência, o senhor diz que a ocultação
da política degrada a experiência social, marcada por mentira, manipulação e mistificação. Como esses elementos se manifestam no Brasil?
SILVA - O risco de degradação
da vida social está presente na
simples transferência direta
dos valores individualistas privados para a esfera pública. É
nessa confusão que a mentira e
a mistificação desempenham
um papel relevante, pois o privado só se faz passar pelo público através dessas manipulações. Por ocasião dos "escândalos", esse jogo de interesses privados aparece, mas apenas porque as circunstâncias não permitiram que todos os interesses fossem contemplados, ou
porque os envolvidos não souberam ou não puderam manter-se na posição de quem distribui as cartas, ou porque, em
todo jogo, nem sempre se tem a
melhor mão. Seria demais pedir que a expressão adequada
da experiência social de uma
comunidade política fosse diferente do modelo da jogatina?
FOLHA - Como o senhor avalia a liderança de Lula nas pesquisas se,
desde o ano passado, os escândalos
passam por seu governo?
SILVA - Deixando de lado o decantado carisma do presidente,
que é um fator a ser considerado, creio que o fenômeno se deve também à banalização da
ética, que traz como sua contrapartida a banalização das
condutas não-éticas, e por conseqüência, dos "escândalos".
Para este aspecto contribui sobremaneira o sensacionalismo
da mídia, que transforma tudo
em espetáculo. A trivialização
das condutas não-éticas provém ainda da impunidade de
vários dos envolvidos e dos critérios partidários ou grupais
que se tornam visíveis nas votações. De modo que não se
trata apenas do fato de que o
presidente não é atingido pelos
escândalos; a questão mais grave é que a maioria dos envolvidos também não é atingida, o
que faz com que o cidadão comum deposite pouca confiança
nos procedimentos de apuração e eventual punição.
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