São Paulo, Sábado, 21 de Agosto de 1999
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CINEMA
Trilha e retrato da época feito em "Dois Córregos" foram tema de discussão após pré-estréia do filme
Música e política dão o tom de debate

free-lance para a Folha

Hermes, o guerrilheiro clandestino de "Dois Córregos", diz que "os momentos efêmeros são os mais intensos da vida". José Genoino, que participou da guerrilha do Araguaia na década de 70 -e assistiu anteontem ao novo filme de Carlos Reichenbach-, considera esse um traço essencial da época: "Nós nos habituamos a viver toda vida no mais curto espaço de tempo, porque ela podia acabar a qualquer momento".
A identificação entre o deputado federal do PT e o personagem interpretado por Carlos Alberto Ricelli aconteceu na exibição de "Dois Córregos", seguida de debate entre o diretor do filme, o arranjador e produtor musical Nelson Ayres, o músico Arrigo Barnabé e Genoino, quinta-feira à noite no Espaço Unibanco.
Promovido pela Folha e pelo Espaço Unibanco, o evento abordou o tema "A Música e a Política no Cinema". Genoino ressaltou que "viver com intensidade" envolvia todas as relações humanas: "Os laços que você constrói nesse processo são laços muito fortes".
De fato, no filme, Reichenbach retrata a convivência de quatro dias entre duas adolescentes e um homem envolvido com a guerrilha, que vive escondido em um sítio na cidade de Dois Córregos, em que todo pequeno acontecimento é marcante.
"Dois Córregos" foi feito para homenagear o padrinho de batismo do diretor, que viveu durante um período em uma casa que a família tinha perto da represa Billings. "Quis flagrar com a câmera os sentimentos que aprendi convivendo com essa pessoa cuja vida infelizmente não foi tão poética como o filme mostra", afirmou Reichenbach.
A história é narrada da perspectiva da sobrinha do guerrilheiro, Ana Paula, já adulta (interpretada por Beth Goulart), uma "figura neocareta", como a definiu o diretor no debate. É a perspectiva da geração que se caracteriza pela absoluta indiferença em relação ao que aconteceu nos anos 60.
Nelson Ayres começou sua fala no debate dizendo que a música é um personagem do filme. "O Carlão é mais apaixonado por trilhas do que por filmes, é o diretor que eu mais vi vibrar com as trilhas", contou. Daí sua preocupação em achar uma atriz pianista, a amiga da sobrinha de Hermes, interpretada por Luciana Brasil.
"É maravilhoso poder ver no cinema um plano que começa no rosto e termina nas mãos do pianista", disse Ayres, enquanto Luciana sorria na platéia, em que estavam também Ingra Liberato (a irmã de criação de Ana Paula no filme) e Cristina Cavalcanti (que interpreta a guerrilheira Tânia).
Arrigo Barnabé disse que passou o filme tentando entender a que a trilha sonora estava servindo: "Não é o tema da relação amorosa. Acho que o que a música evidencia é sua relação de amor com o personagem", afirmou, dirigindo-se a Reichenbach.
Ayres dirigiu ao diretor uma pergunta no final do debate: "Por que teve uma obsessão em não deixar colocar música em baixo do diálogo?". "Nesse filme ela tinha de entrar sozinha, se fosse complemento para diálogos, o filme estaria destruído. Por isso as músicas foram escolhidas a dedo, "a faro", na verdade: tentei ir pelo cheiro da sensibilidade."


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