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"Fiquei velho olhando para o espelho"
CASSIANO ELEK MACHADO
Editor-assistente interino da Ilustrada
Foi como em um de seus contos. José Jacinto descobriu a velhice de repente, olhando para o espelho, aos 84 anos. "Tomei um
susto", disse em entrevista dada
para a Folha em junho deste ano.
Veiga falava pausado. Armava-se de três longos respiros de ar antes de enunciar cada frase.
Com a voz arranhada, fez um
balanço das quatro décadas de literatura que ele completava naquele mês, "sem comemorações",
como frisou: "Acho que pelo menos cheguei perto do que eu pretendia fazer quando comecei.
Queria escrever uma coisa minha,
que não fosse repercussão do que
faziam outros".
No final da entrevista, José Jacinto, transformado em José J.
Veiga por sugestão de seu amigo
Guimarães Rosa ("que era muito
versado em numerologia"), disse
que pretendia voltar a escrever.
Mas faltou tempo ao autor dos romances "A Hora dos Ruminantes" e "O Relógio Belisário".
Leia a seguir depoimento inédito que o escritor deu à Folha sobre as últimas voltas dos ponteiros de sua vida.
Folha - Como o sr. se relaciona
com a ameaça da morte?
José J. Veiga - Nunca fui de me
preocupar com isso. Fui privilegiado. Quando ela vier, será bem-vinda. Mas andei na fossa.
Saí do hospital na primeira semana de dezembro de 1998. Havia ficado lá uns dois meses. Estava doido para vir para casa.
Quando cheguei aqui, não sabia o
que fazer. Estava tão ruim. Olhando para o espelho, 15 quilos mais
magro do que entrara no hospital, descobri de repente que eu fiquei velho.
É claro que os anos já estavam
se acumulando pouco a pouco,
mas eu não estava nem aí. Eu tinha boa saúde. Só tive as doenças
que todos têm e nem se importam muito. Fazia tudo o que queria fazer. Bebia, viajava muito.
Nunca vivi como velho.
Quando saí do hospital, com dificuldades de andar e com tonteiras, pensei: "Fiquei velho". Tomei
um susto.
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