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São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2003

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Pesquisadora identifica "impressionismo" no crítico

DA REPORTAGEM LOCAL

Defendida em 1995, a tese de mestrado da pesquisadora carioca Ana Bernstein será publicada em livro no ano que vem, pelo Instituto Moreira Salles. A autora se valeu do acervo de Décio de Almeida Prado, com quem teve vários encontros nos anos 90, para rever e ampliar o seu trabalho.
"A Crítica Cúmplice", mesmo título da tese coorientada por Flora Sussekind e César Guimarães, na PUC-RJ, pretende transcender a trajetória do crítico para dar conta, também, do seu papel como formador de uma geração de críticos e pesquisadores.
"Desde os primeiros textos publicados na revista "Clima", a crítica de Décio vai se destacar por seu caráter analítico, examinando o teatro como um fenômeno complexo, buscando discutir os diversos elementos que compõem a cena, situando o espectador diante da obra, e situando esta dentro de seu contexto social e artístico", diz Bernstein, que respondeu à Folha por e-mail, de Nova York, onde mora. (VS)
 
Folha - Como "A Crítica Cúmplice" está dividida?
Ana Bernstein -
São seis capítulos. O primeiro examina o panorama teatral de 1930-1940, ou seja, o momento anterior à renovação do teatro brasileiro e ao surgimento da moderna crítica teatral. O segundo trata do que eu considero como o período de formação de Décio. Isso inclui a criação da USP e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; o surgimento de uma nova mentalidade -a universitária- no país; o grupo de "Clima" e os primeiros textos de Décio e do Grupo Universitário de Teatro.
O terceiro capítulo detém-se sobre a fase de consolidação dos conceitos críticos empregados por Décio. Aqui eu me debruço sobre o período inicial da crítica em "O Estado de S. Paulo", quando a coluna teatral ainda se chamava "Palcos e Circos", um período em que a crítica de Décio pode ser definida como uma crítica militante, cúmplice, além de didática. Está preocupado com a formação de uma nova mentalidade teatral e sua crítica espelha isso de forma clara. Discuto também os princípios que guiaram sua crítica, sua autodefinição como um crítico impressionista.
O quarto capítulo trata da arte do ator, através dos textos que escreveu sobre João Caetano, Procópio Ferreira, Cacilda Becker, atores que ele considera paradigmáticos de suas épocas e usando como contraponto textos sobre Dercy Gonçalves e Alda Garrido.
O quinto capítulo analisa a mudança da cena teatral brasileira na década de 1960 e a transformação que se opera na crítica de Décio, que vai repensar os conceitos que o haviam guiado até ali. O episódio da devolução do [Prêmio] Saci e outros relacionados à censura são discutidos aqui.
O último capítulo trata da produção ensaística de Décio, dos estudos de teatro brasileiro que ele escreveu e do seu papel fundamental como formador.

Folha - Seu trabalho identifica a "crítica cúmplice" de Almeida Prado no período de formação de uma cultura de teatro no país, dos anos 40 aos 60. Como ele conciliava a militância com a objetividade presumida do crítico? Isso o angustiava?
Bernstein -
Não creio que Décio tenha jamais se angustiado com este problema. Desde o primeiro momento, ele se colocou como um crítico impressionista, isto é, ele sempre soube que sua crítica era necessariamente informada por sua subjetividade, que suas idéias e suas opiniões não escapavam ao gosto pessoal e à sua formação. Isso não significava porém, que não possuísse critérios objetivos para sua análise, na qual entravam também as impressões produzidas pela experiência estética. Ele buscou sempre avaliar os trabalhos a partir do exame da coerência interna da própria obra, levando em consideração, ao mesmo tempo, a inserção desta no contexto social.

O que levou Almeida Prado a assumir a crítica impressionista?
Bernstein -
Para Décio, a crítica teatral, por ter como base a experiência estética, não pode nunca ser uma crítica científica. A crítica científica vale muito pouco quando se trata de analisar a experiência estética, as emoções provocadas por um determinado ator ou um determinado espetáculo. A seu ver, "Uma ciência teatral, se conseguirmos um dia constituí-la, ensinará tudo ao crítico, menos se tal atriz e tal peça são medíocres ou geniais. Essa é uma escolha que ele terá de fazer, jogando às vezes tudo ou nada como qualquer espectador".

Folha - Como o crítico demonstrava esforço para criar uma "consciência teatral"?
Bernstein -
A crítica de Décio, num primeiro momento, assumiu um caráter didático e militante. Didático porque procurava formar não apenas um público, mas também se dirigia à nova geração de atores, em sua maior parte amadores, que viria renovar o teatro brasileiro. A construção dessa consciência teatral se coloca, então, para o crítico, como o principal objetivo nesta primeira fase, determinando, muitas vezes, o próprio caráter da crítica.



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