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Medo do novo deixa TV ruim
NELSON HOINEFF
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na tarde da última terça-feira,
Gugu Liberato foi entrevistado ao vivo por quatro outros
apresentadores de TV. Uma única
frase foi dita por todos: "Precisamos repensar a nossa responsabilidade". Ela apareceu com a mesma gravidade que cada um costuma impingir aos seus programas.
Acusando Gugu e tirando uma
casquinha de sua audiência, aproveitaram também para fazer uma
profissão de fé.
Não precisavam. Nenhum deles
tem nenhuma culpa do que aconteceu. Nem os bandidos ou os que
gostariam de sê-lo que fazem suas
bravatas no ar. Traficar, matar é o
seu negócio. O da televisão está
sendo transformá-los em heróis.
Por isso a programação da TV
aberta e o PCC guardam tantas semelhanças. Ambos pensam no
proveito imediato; não se importam com o mal que possam causar às suas vítimas; tem visões peculiares de comportamento ético;
carecem de talento para ganhar a
vida de forma honrada.
Deter-se no horário de acesso é
um rico exercício. Suas atrações
são idênticas na forma e no conteúdo. Superpõem seus vácuos
criativos na busca de cinco mesquinhos pontos que, nesse contexto, configuram um bom desempenho de audiência.
É estatisticamente impossível
que não existam formatos capazes de fazer a mesma pontuação
nesse horário. Programas que
possam propor à audiência experiências mais estimulantes de televisão e aos empresários negócios
mais bem-sucedidos. Formas capazes de atrair consumidores sem
levá-los para emboscadas.
Formatos assim existem. Não
são implementados porque há no
seu caminho a barreira do medo.
Um medo pior que o de tiros. Medo das diferenças. Medo de qualquer coisa que não se pareça com
o que existe à exaustiva repetição.
Essa fobia do novo se alimenta
de uma estrutura de criação monolítica, que estrangula a circulação de idéias originais.
É num terreno assim que floresce não apenas a glorificação da
bandidagem, mas a inversão generalizada de valores éticos, morais e artísticos. O conteúdo vulgar que está diante do espectador
tem o efeito de desestimular sua
capacidade de discernimento. O
mito da eficiência empresarial da
TV brasileira está em crise. Os que
hoje desenham uma televisão
ruim estão moldando também
uma televisão deficitária. Na semana passada, o ministro José
Dirceu voltou a negar que esteja
em curso um Proex da televisão.
Se estivesse, ele não poderia deixar de levar em conta a maneira
pela qual estão assentados os seus
modelos de produção.
Culpar um apresentador, qualquer que seja, por fraudes e glorificação de criminosos, é o mesmo
que culpar mamões por nascerem
em mamoeiros. Não é focando
em Gugu ou nos programas sensacionalistas de fim de tarde que
se vai mudar a televisão; mas sim
examinando o sistema que promove a hegemonia desses valores
na TV. É ele que está fraudando a
boa fé do povo, insinuando a
mentira de que uma televisão será
tão mais bem-sucedida quanto
pior. A TV é ruim simplesmente
porque há o pavor generalizado
que se possa fazê-la melhor.
Nelson Hoineff, 55, é jornalista, produtor e diretor de televisão
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