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CARLOS HEITOR CONY
Jornais de ontem e de hoje
O "Correio da Manhã" foi uma exceção naquele tempo; a mídia apoiou compactamente o golpe perpetrado em 1964
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O ARQUIVO Nacional montou
uma exposição sobre o extinto "Correio da Manhã", aproveitando a doação que Fernando
Gasparian fez àquela entidade do
extenso material que havia adquirido da massa falida do jornal.
Além da mostra, houve palestras e
debates sobre o período histórico a
que pertenceu o "Correio", cuja
atuação na vida nacional pode ser
medida pela entrevista de Carlos Lacerda com José Américo de Almeida, furando a censura do Estado Novo e dando o chute inicial para a redemocratização do país, em 1945.
Mais tarde, em 1964, após combater com violência o governo de João
Goulart, no dia seguinte ao golpe de
Estado, o jornal foi o primeiro - e,
durante muito tempo, o único- a
condenar o regime militar, denunciando torturas, violências e prisões.
Em dezembro de 1968, com a edição do AI-5, não houve condições
para manter a linha de independência e combate à situação instalada no
Brasil. Teve a Redação invadida; prisão de sua proprietária, Niomar Moniz Sodré, que ficou semanas na
mesma cela das prostitutas apanhadas pela ronda policial; prisão de
seus principais redatores; boicote
total da publicidade pressionada pelo governo -o "Correio" tornou-se
que nem a família do poeta: "Uma
fotografia na parede".
Convidado a visitar a exposição,
fui ver as fotos nas paredes do Arquivo Nacional, o grande Otto Maria
Carpeaux com alguma coisa de gótico em seu rosto de judeu vienense;
Carlos Drummond de Andrade, que
era então o C. de A. de crônicas antológicas; Antônio Callado mocinho,
elegante como o único inglês da vida
real (a classificação é do Nelson Rodrigues); Luís Alberto Bahia, sem a
cabeleira branca de seus últimos
anos, mais do que nunca um clone
visual de Leon Trótski; e Oswaldo
Peralva, José Lino Grünewald, Márcio Moreira Alves, Hermano Alves,
Antônio Moniz Vianna, o mais influente crítico de cinema de sua época. E dois de seus diretores de redação em momentos importantes do
jornal: Edmundo Moniz e Janio de
Freitas.
Quanto à palestra, além das abobrinhas de praxe, recebi uma pergunta sobre a diferença da imprensa
daquela época com a imprensa de
agora. O jovem culpava os jornais
que hoje se publicam de todos os
males de nossa vida pública, inclusive no episódio da absolvição do presidente do Senado.
A leitura superficial que ele fizera
da reprodução de algumas páginas
do "Correio" dera-lhe a impressão
de que a imprensa cumprira um papel que hoje não cumpre mais.
Tive de explicar que o caso do
"Correio" foi uma exceção naquele
tempo. A mídia apoiou compactamente o golpe de 64, somente mais
tarde, em 1968, vésperas do AI-5, começou a tomar uma posição de velada crítica ao regime, uma vez que a
censura em vigor impedia a manifestação de pensamento contrário
ao regime militar.
E quanto à mídia de hoje, considerei o jovem mal informado. Desde
que estou na pedreira -faz 60 anos,
nunca vi tamanha e tal unanimidade
de opiniões e de cobertura factual
dos escândalos de nosso tempo, notadamente no caso (e nos casos)
criados pelo presidente do Senado.
Pelo contrário: está havendo uma
corrida de Fórmula 1, uma emulação
para ocupar o pódio, sagrando como
vencedor o jornal, editorial, coluna
ou noticiário que mais condene tudo
o que está havendo na vida nacional.
Num só dia, lendo revistas e jornais, anotei expressões que estão
sendo usadas para designar os vilões
da política que agora se pratica: bandidos, salafrários, energúmenos, piratas, descarados, moluscos, assaltantes, caras-de-pau, depravados,
facínoras, meliantes, cafetões, estelionatários, chantagistas. Houve até
quem os chamasse de "sicofantas"
-que eu suspeitei ser alguma coisa
de abominável e que me obrigou a
uma consulta ao dicionário.
Não cheguei a medir, mas acho
que, por centímetro quadrado das
páginas da imprensa que condenam
o presidente do Senado, nunca houve cobertura tão unânime e violenta.
Se um décimo de cobertura semelhante tivesse acontecido em 1964,
talvez o país não tivesse entrado nos
chamados anos de chumbo.
Tentei explicar tudo isso ao jovem
que me interpelou. Parece que não
adiantou. Ele continuou achando
que a imprensa está decadente:
"Ninguém dá importância ao que
hoje se publica".
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