São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 2011

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ANÁLISE

Visão radicalmente materialista do corpo continua em ação nos filmes do diretor

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Cronenbleargh! O apelido dado ao diretor canadense quando seus filmes começaram a chegar ao Brasil, nos anos 80, expressava a náusea diante daquelas imagens sobrecarregadas de metamorfoses monstruosas, exposições de entranhas e cabeças explodindo.
A sucessão de filmes viscerais, no entanto, revelou que havia, associados àquela impressão de obscenidade, um método de exposição e uma organização meticulosa de ideias em torno da vida como um mal incurável.
Três décadas após a descoberta abrupta que fizemos com "Scanners", o cinema de Cronenberg se converteu em obra admirada, prestigiada em grandes festivais e concentrada em representar personagens nobres da cultura, como Freud e Jung.
Isso não se deve interpretar, contudo, nem como domesticação nem como acomodamento. Pois sua visão radicalmente materialista do corpo, sua obsessão por processos de contaminação e pelas transformações do eu em outros(s) continua em ação nos filmes da última década.
De modo mais invisível, certamente, mas não menos subversiva e atormentadora.
A retrospectiva "O Cinema em Carne Viva" é obrigatória para reavaliar, além da unidade e coerência de estilos e temas que asseguraram a Cronenberg o status de autor, a pertinência e a atualidade das questões que seus filmes levantam.

DELÍRIOS METAFÓRICOS
A fórmula "ninguém sabe o que pode um corpo" aparece como a mais regular e experimental já desde os anos 70 em "Calafrios" e "Rabid", delírios metafóricos que prenunciaram uma praga associada ao sexo que se transformou em horror real logo em seguida.
No auge da epidemia de Aids, "A Mosca" fundiu nossos medos da degradação física e da morte numa fôrma já ultraclássica. Com "Scanners", "The Dead Zone" e "Gêmeos", as mutações do elemento orgânico contaminaram o campo mental e prefiguraram a perda da segurança das noções de sujeito e identidade, sexual e afetiva, que nos converteram em curingas do baralho contemporâneo.
"Videodrome", "Crash" e "eXistenZ" compõem o trio de obras-primas do cinema de premonição, com sua antecipação de prazeres decorrentes da fusão entre homens e máquinas. Nesse trio de filmes bastante desconfortáveis, nossa civilização hiperconectada foi descrita com a precisão de um anatomista.


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