São Paulo, segunda, 21 de setembro de 1998

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A Ostra e O Vento

da Equipe de Articulistas

Recebido com injustificada indiferença pelo público e mesmo pela crítica na época de seu lançamento nos cinemas, "A Ostra e o Vento", de Walter Lima Jr., ganha agora uma segunda chance no vídeo.
Ou melhor: é o público que ganha uma segunda chance de fruir um dos filmes mais belos e pessoais que o cinema brasileiro recente produziu.
Não é todo dia que se vê uma integração tão perfeita entre enredo, personagens, ambiente e forma narrativa como a que ocorre em "A Ostra e o Vento".
A "trama", inspirada em romance de Moacyr Lopes, é só um fio de história: a menina Marcela (Leandra Leal) vive presa na ilha em que seu pai, José (Lima Duarte), é o encarregado de cuidar do farol.
Até certo momento, José é auxiliado por um velho ex-marinheiro, Daniel (Fernando Torres). Depois, Daniel é substituído por Roberto (Floriano Peixoto), um jovem deficiente mental.
O ponto dramático central dessa situação é o momento em que Marcela sofre sua primeira menstruação (uma cena, aliás, antológica).
O pai percebe que ela está virando mulher, mas se recusa a aceitar o fato e hesita em levá-la à cidade para consultar-se com um médico.
Prisioneira da ilha, Marcela inventa para si um namorado -Saulo, o vento-, que lhe fala ao ouvido e a leva a delírios em que se confundem o êxtase erótico e o místico.
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Círculos A narrativa, circular como a própria ilha e os movimentos do farol, gira em torno desse ponto vital: a fronteira entre a infância e a vida adulta, entre a castidade e o sexo e, num outro plano, entre a natureza e a cultura.
O drama de Marcela pode ser lido assim: ela quer romper o tempo cíclico, a-histórico, em que está encerrada (marcado pelas estações, pela menstruação, pelas marés, pelas migrações dos pássaros, pelas voltas do farol) e ingressar no tempo histórico da cultura, da cidade, da vida social.
É admirável a maneira como Walter Lima Jr., com a ajuda do diretor de fotografia Pedro Farkas, faz de seu próprio filme uma ilha, um universo autônomo e autojustificável, como um poema ou uma sinfonia.
A fluência narrativa, as soluções de passagem de tempo (realizadas muitas vezes no interior de um único plano), o ritmo encantatório da luz e do mar, tudo é de uma beleza raras vezes atingida em nosso cinema. Pena que a tela pequena da TV não lhe faça jus.
Num elenco bem dirigido em que brilham atores tarimbados, cabe destacar a garota Leandra Leal, capaz de expressar com a mesma convicção a sensualidade e a inocência, a ternura e a fúria.
Se há alguma coisa que destoa no filme, é a música um tanto redundante e por vezes melosa de Wagner Tiso -além do último plano, de gosto duvidoso.
De resto, "A Ostra e o Vento" é um assombro.
Não é cinema que conta uma historinha, não é cinema que ilustra uma tese: é cinema que cria um mundo próprio -belo, orgânico e intenso- e o dá de presente ao mundo real. (JGC)
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Filme: A Ostra e o Vento Produção: Brasil, 1998, 112 min Direção: Walter Lima Jr. Com: Lima Duarte, Fernando Torres, Leandra Leal Lançamento: Flashstar (tel. 011/7295-8456)


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