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A Ostra e O Vento
da Equipe de Articulistas
Recebido com injustificada indiferença pelo público e mesmo pela
crítica na época de seu lançamento
nos cinemas, "A Ostra e o Vento",
de Walter Lima Jr., ganha agora
uma segunda chance no vídeo.
Ou melhor: é o público que ganha uma segunda chance de fruir
um dos filmes mais belos e pessoais que o cinema brasileiro recente produziu.
Não é todo dia que se vê uma integração tão perfeita entre enredo,
personagens, ambiente e forma
narrativa como a que ocorre em "A
Ostra e o Vento".
A "trama", inspirada em romance de Moacyr Lopes, é só um fio de
história: a menina Marcela (Leandra Leal) vive presa na ilha em que
seu pai, José (Lima Duarte), é o encarregado de cuidar do farol.
Até certo momento, José é auxiliado por um velho ex-marinheiro,
Daniel (Fernando Torres). Depois,
Daniel é substituído por Roberto
(Floriano Peixoto), um jovem deficiente mental.
O ponto dramático central dessa
situação é o momento em que
Marcela sofre sua primeira menstruação (uma cena, aliás, antológica).
O pai percebe que ela está virando mulher, mas se recusa a aceitar
o fato e hesita em levá-la à cidade
para consultar-se com um médico.
Prisioneira da ilha, Marcela inventa para si um namorado -Saulo, o vento-, que lhe fala ao ouvido e a leva a delírios em que se confundem o êxtase erótico e o místico.
²
Círculos
A narrativa, circular como a própria ilha e os movimentos do farol,
gira em torno desse ponto vital: a
fronteira entre a infância e a vida
adulta, entre a castidade e o sexo e,
num outro plano, entre a natureza
e a cultura.
O drama de Marcela pode ser lido assim: ela quer romper o tempo
cíclico, a-histórico, em que está encerrada (marcado pelas estações,
pela menstruação, pelas marés, pelas migrações dos pássaros, pelas
voltas do farol) e ingressar no tempo histórico da cultura, da cidade,
da vida social.
É admirável a maneira como
Walter Lima Jr., com a ajuda do diretor de fotografia Pedro Farkas,
faz de seu próprio filme uma ilha,
um universo autônomo e autojustificável, como um poema ou uma
sinfonia.
A fluência narrativa, as soluções
de passagem de tempo (realizadas
muitas vezes no interior de um
único plano), o ritmo encantatório
da luz e do mar, tudo é de uma beleza raras vezes atingida em nosso
cinema. Pena que a tela pequena
da TV não lhe faça jus.
Num elenco bem dirigido em
que brilham atores tarimbados,
cabe destacar a garota Leandra
Leal, capaz de expressar com a
mesma convicção a sensualidade e
a inocência, a ternura e a fúria.
Se há alguma coisa que destoa no
filme, é a música um tanto redundante e por vezes melosa de Wagner Tiso -além do último plano,
de gosto duvidoso.
De resto, "A Ostra e o Vento" é
um assombro.
Não é cinema que conta uma historinha, não é cinema que ilustra
uma tese: é cinema que cria um
mundo próprio -belo, orgânico e
intenso- e o dá de presente ao
mundo real.
(JGC)
²
Filme: A Ostra e o Vento
Produção: Brasil, 1998, 112 min
Direção: Walter Lima Jr.
Com: Lima Duarte, Fernando Torres,
Leandra Leal
Lançamento: Flashstar (tel. 011/7295-8456)
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