São Paulo, terça, 21 de outubro de 1997.




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JEAN COCTEAU

Reprodução
Jean Cocteau mostra sua face de ator em performance na década de 20



Faap abre exposição com 389 obras que recupera múltiplas faces de um dos maiores personagens culturais do século




CASSIANO ELEK MACHADO
da Redação

A arte moderna sempre andou a reboque da inspiração. Jean Cocteau (1899-1963), um multimídia antes do nascimento da multimídia, foi quem alertou pela primeira vez. Arte não é inspiração -nem transpiração, como também já foi dito-, mas expiração.
Cocteau pintava, escrevia, desenhava, filmava... como quem expulsa ar dos pulmões -e respira o interior da alma. Ou, parafraseando o artista, como "mão-de-obra" das forças estranhas à razão que habitam o poeta.
A partir de hoje, o Brasil é apresentado pela primeira vez à maior parte dos rostos de Jean Cocteau. Como parte das comemorações de seus 50 anos, a Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, inaugura exposição com 389 obras do artista francês.
São desenhos, pinturas, cerâmicas, vitrais, jóias, tapeçarias, fotografias, poesias... de Cocteau. Sua face mais conhecida também está contemplada. Um ciclo de filmes que começa em novembro mostra a "cinematografia" de Cocteau.
Como explicou a maior expert na obra do artista à Folha, a francesa Annie Guedras, curadora da exposição na Faap e diretora do projeto de um museu do artista próximo a Paris, o sufixo "grafia" deve ser acrescentado a qualquer uma das artes de Cocteau.
Guedras diz que, antes de tudo, Cocteau foi um poeta. "Ele fazia poesia de romance, de pintura, de desenho, de jornalismo, de cinema. O século está precisando de poetas", exclama emocionada com a obra do artista que ela estuda há 24 anos.
Poeta também é a profissão que consta da ficha policial de Cocteau em Paris, preenchida com um texto quase tão famoso quanto a maior parte de seus poemas. "Cocteau, Jean. Opiômano. Pederasta. Diz que é poeta".
Se é que se pode dizer que as massas conheceram Cocteau, foi desse modo. Fora das massas, em território pelo qual circulavam nomes como André Gide e Paul Éluard, dois notórios difamadores de Cocteau, a coisa não foi muito diferente. A estilista Coco Chanel, por exemplo, se referiu ao poeta como "pederastazinho esnobe e ladrão".
Quanto à segunda categoria, muito pouco já foi dito. Mas Cocteau nunca foi de gastar gestos ou palavras para ocultar sua homossexualidade -suas grandes paixões, o poeta Raymond Radiguet e o ator Jean Marais estão amplamente retratados na Faap.
Quando ele foi eleito para a Academia Francesa de Letras, o notório homossexual Truman Capote, o escritor de "A Sangue Frio", comentou com sarcasmo: "Finalmente a libélula de vôo caprichoso pousou no espaldar...".
Ele "aterrissou" no trono de "imortal" mas continuou dizendo que "os poetas, para viver, devem frequentemente morrer".
E a generosa amostra de sua obra na Faap demonstra com clareza que o autor da frase "O tato da audácia consiste em saber até que ponto se pode ir longe demais" não demonstrou jamais falta de audácia nem medo de morrer.

Exposição: Le Monde de Jean Cocteau Vernissage: hoje às 20h; na ocasião será lançado o livro "Faap 50 Anos", com textos de Ignácio de Loyola Brandão Quando: ter a sex, das 10h às 20h; sáb e dom, das 13h às 18h; até 24 de novembro Onde: Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (r. Alagoas, 903, Higienópolis, tel. 011/824-0233)
Quanto: entrada franca



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