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TIM FESTIVAL
Tradicional sambista se apresenta em SP e no Rio em evento musical que privilegia novidades pop e eletrônicas
Strokes, M.I.A., Arcade Fire e... Dona Ivone
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Antenado com as novidades
pop-eletrônicas internacionais e
sem um fio que faça uma conexão
consistente com as tradições da
música negra, o Tim Festival tem
no show de Dona Ivone Lara um
elemento estranho. Aos 84 anos, a
maior sambista do país funciona
como um signo de atemporalidade em um evento que parece
apostar cada vez mais no efêmero
e no passageiro e que traz atrações
como The Strokes, M.I.A., Elvis
Costello e Arcade Fire.
"Eu achei estranho me chamarem, mas gostei demais. Gosto
muito da garotada, desse público
novo que vai aos meus shows",
afirma Dona Ivone, entoando nas
entrelinhas os famosos versos de
sua "Alguém me Avisou": "Foram me chamar/ Eu estou aqui, o
que é que há?".
Ela canta hoje em São Paulo e
domingo no Rio, nos palcos do
Tim Club. Estará acompanhada
de um time de dez feras, tendo à
frente o pianista Leandro Braga,
que lançou há três anos o CD instrumental "A Primeira Dama",
dedicado a Dona Ivone.
"Ela tem a mesma qualidade de
Tom Jobim. Não é caô [mentira],
acho isso mesmo", afirma Braga,
que não considera o autodidatismo da sambista mérito ou demérito. "Se ela tivesse estudado, teria
algumas características diferentes, mas a qualidade estaria lá, intensa, essencial", diz.
"Intuitiva" é como Dona Ivone
se classifica. O pai, mecânico de
bicicletas, era violonista diletante
e integrante do Bloco dos Africanos; a mãe, pastora do rancho
Flor do Abacate. Ambos morreram quando Yvonne -assim está
em sua certidão de nascimento-
tinha seis anos.
Foi criada por parentes como o
tio Dionísio Bento da Silva, violonista que só admitia que tocassem
choro em sua casa. Ensinou à sobrinha as posições no cavaquinho, e o resto ela aprendeu vendo,
ouvindo e convivendo com gente
que faria história no Império Serrano, como seu primo Mestre Fuleiro, Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola.
"Não tive dificuldade para fazer
samba porque esse pessoal vivia
na minha casa e minha família era
toda de música. Mas tive a honra
de ser a primeira mulher a compor um samba-enredo", conta
ela, referindo-se ao clássico "Cinco Bailes da História do Rio", parceria com Silas e Bacalhau que fez
do Império vice-campeão no desfile de 1965.
Há três anos, ela não desfila na
escola porque a diretoria só quer
colocá-la em carros alegóricos.
"Eu me garanto para ir no chão.
Em 2002, aceitei porque era uma
homenagem ao Ariano Suassuna.
No meio do desfile, já tinha deixado o Suassuna para lá e estava
dançando com as baianas."
Dona Ivone não usa o cavaquinho para compor. Cria suas melodias com a voz, com um senso
musical muito peculiar. Sua maneira de cantar e contracantar
-são famosos seus contracantos,
apreciáveis em discos de Paulinho
da Viola e outros- evoca histórias, tradições e sentimentos quase intraduzíveis.
"Lara, o seu laraiá é lindo/ Rara
ao bailar sorrindo/ São canções de
quem tanto, tantos/ Corações retém com o seu canto", exaltou
Luiz Carlos da Vila (em parceria
com Nelson Sargento) na homenagem "Rara". "Ivone Lara ra ra
ra ra ra ra/ Tudo se aclara sob a luz
do teu luar/ Lavando a nossa alma/ Com a mais fina inspiração/
Meu samba te pega na palma/ E
beija tua mão", reverenciou Nei
Lopes (com Cláudio Jorge) em
"Senhora da Canção", que o coro
cantará no show do Tim Festival.
Dona Ivone desfiará seu repertório de maravilhas, como "Alvorecer", "Aprender a Sofrer",
"Nasci para Sonhar", "Tendência", "Candeeiro da Vovó",
"Acreditar", "Mas Quem Disse
que Eu te Esqueço", "Sonho Meu"
e "Sorriso Negro". Na maioria,
parcerias com Délcio Carvalho,
mas também há Jorge Aragão e
Hermínio Bello de Carvalho.
É um conjunto de obras que ela
pôde extravasar (em discos e
shows) a partir de 1977, quando se
aposentou como enfermeira e assistente social de instituições como o Centro Psiquiátrico Pedro
2º, de Nise da Silveira, e a Colônia
Juliano Moreira.
"Eu adorava fazer festas com os
pacientes. Dançava com eles, cantava sambas. Nunca perdi o prazer de cantar", diz, que, no entanto, não pretende seguir o caminho
da tia Tereza, que morreu com 115
anos, e da avó, a famosa Mãe Sabina, que criou 19 crianças (filhos
seus e de outras que seu marido
espalhava), dezenas de netos e
também morreu centenária.
"Não quero dar trabalho. Enquanto estiver assim, com a cabeça boa e sabendo contar dinheiro,
tudo bem. Senão, prefiro descansar", anuncia ela, mais lúcida do
que nunca.
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