São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Império contra-ataca

Rio prepara as comemorações dos 200 anos da chegada da família real ao Brasil, evento que vai tentar reabilitar a imagem de d. João 6º

MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Se depender do Rio de Janeiro, a imagem de d. João 6º vai mudar completamente a partir de 2008 -e dos dois lados do Atlântico. Nem será o glutão aparvalhado que devorava frangos, nem aquele medroso que fugiu às pressas de Napoleão abandonando os súditos -mancha que até hoje irrita os portugueses.
Quem está fazendo o reposicionamento de imagem do príncipe regente, aquele que aportou de supetão no Rio em 7 de março de 1808, é o brasileiro Alberto da Costa e Silva, diplomata que está à frente da comissão organizadora das comemorações do segundo centenário da chegada da família real portuguesa ao Brasil.
Ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Costa e Silva organiza uma programação que inclui um pacote de 14 livros centrados no período joanino (saem a partir de julho de 2007), exposições lembrando a representação artística da época, apresentações teatrais e concertos com as mesmas músicas que agradavam ao "primeiro rei europeu a ser aclamado na América".
"A primeira coisa que estamos fazendo é restaurar a antiga catedral, que está abandonada desde a inauguração da nova [Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, inaugurada em 1979]. Vamos restaurar à condição de Capela Real", disse Costa e Silva à Folha.

Capela Real
A recuperação da antiga Capela Real, atual Igreja de Nossa Senhora do Carmo, que foi construída originalmente em 1761, é uma obra de R$ 11 milhões que já está em andamento, patrocinada pela Fundação Roberto Marinho. Foi lá que se realizou a aclamação do próprio d. João (1818), assim como as coroações de d. Pedro 1º (1822) e d. Pedro 2º (1841).
A idéia da comissão municipal é reproduzir nos 12 meses de 2008 um pouco da atmosfera do Rio de 1808 a 1821, período em que d. João 6º morou na cidade. Foi o momento em que, na prática, teria começado o processo irreversível de nossa independência, além de terem sido criadas as instituições que estavam na base da futura nação -Escola Nacional de Belas Artes, a Escola de Medicina, a Biblioteca Nacional, Imprensa Régia, Jardim Botânico etc.
"Pretendemos reproduzir o que já foi feito em 1958, com a encenação da chegada da família real na praça 15. Também vamos reconstituir a aclamação de d. João", anunciou Costa e Silva. Além de reproduzir em igrejas e teatros a arte que entretinha a corte, mostrando a revolução artística e cultural que sacudiu a então provinciana sociedade carioca, a programação também tem um viés popular.
"Tenho a impressão de que o grande momento vai ser na rua, para reproduzir um pouco o susto enorme que essa gente devia ter tomado, dos dois lados. Os que chegavam e os que aqui estavam."
A comemoração corre o risco de acabar em samba -literalmente. As escolas de samba teriam se comprometido a trazer no Carnaval de 2008 temas ligados à família real. E serão reproduzidos ao longo do ano os grandes painéis pintados por artistas da missão francesa, especialmente Debret, que seriam os antepassados dos atuais carros alegóricos do carnaval carioca. "Para a aclamação de d. João, os artistas da missão francesa fizeram as chamadas arquiteturas provisórias, efêmeras: o Arco do Triunfo, pirâmides, obeliscos etc., para dar uma impressão de monumentalidade ao Rio de Janeiro. Vamos reconstituir na praça 15 toda essa cenografia de época", disse Costa.
Grande africanista, além de poeta, memorialista e ensaísta, Costa e Silva é diplomático ao falar de d. João (o único nome que o faz soltar adjetivos é o escritor carioca Lima Barreto). "D. João 6º está sendo revalorizado. Durante anos as pessoas tinham uma impressão cômica dele, de que era um bonacheirão, glutão. Era um homem simples, não tinha pose de rei.
Mas ele foi vital na formação de tudo o que é básico na vida brasileira. E a sua própria saída de Portugal foi um lance de atrevimento político. Se ele tivesse ficado lá, os franceses o teriam capturado, ele teria sido humilhado. A monarquia portuguesa teria entrado em declínio. Com a vinda para o Brasil ele salvou sua coroa."


O jornalista MARCOS STRECKER viajou a convite da Fundação Roberto Marinho

Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.