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Crítica/crônicas
As besteiras do Brasil estão de volta
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Logo no início do "Febeapá
1", o historiador Stanislaw Ponte Preta afirmava ser difícil precisar quando começou o Festival de Besteira que Assola o
País. Talvez tenha sido em alguma manhã de 1500, mas na
ditadura militar ele certamente
ganhou um grande impulso, como prova o relançamento em
um só volume dos três "Febeapás", publicados de 1966 a 1968.
Nesse período, o "jornalista,
radialista, televisista, teatrólogo, humorista, publicista e bancário" Sérgio Porto (1923-1968), criador do personagem
Stanislaw, resolveu combater o
regime à sua maneira: rindo e
fazendo rir dos absurdos oficiais da época.
É pena que a morte precoce
de Porto tenha interrompido a
série. O material permanece
farto. Talvez falte alguém com
os mesmos talento e perseverança para organizar e interpretar tanta besteira.
Ele publicava em sua coluna,
no "Última Hora", notas colhidas em jornais de todo o país.
Era a agência Pretapress, como
batizava as informações que recebia dos colaboradores. Barbaridades das mais variadas
eram aproveitadas, mas as favoritas eram as produzidas por
políticos e militares.
"(...) Estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica "Electra", tendo comparecido ao local alguns agentes do
Dops [Departamento de Ordem Política e Social] para
prender Sófocles, autor da peça
e acusado de subversão, mas já
falecido em 406 a.C.", registrava em 1966.
Em 1968, ele relatava o protesto de Maria Fernanda contra a proibição da peça "Um
Bonde Chamado Desejo", de
Tennessee Williams. "Lá pelas
tantas, a atriz deu um grito de
"viva a Democracia". O senhor
[deputado] Ernani Satiro na
mesma hora retrucou: "Insulto
eu não tolero"."
Apesar da consistência da
matéria-prima, Porto também
criava muitas histórias envolvendo políticos e militares.
Eram, por exemplo, anedotas
como a do homem que pediu
atendimento prioritário no
hospital alegando: "Eu sou coronel!". Ao que o médico retrucou: "E qual é o outro mal de
que o senhor se queixa?".
Ou a do pai que queria registrar o filho como General Lopes e quis convencer o escrivão.
"O senhor compreende, eu sou
pobre, ele também será. Quem
sabe, quando ele crescer, os outros chamando ele de General,
talvez, não sei... Talvez ele consiga ser mais do que eu fui...".
Os exemplos podem indicar
que o Febeapá envelheceu.
Mas, por pelo menos dois motivos, a impressão é falsa: as besteiras de então ajudam a traçar
o Brasil de qualquer tempo,
com arbitrariedades que são
mais regra do que exceção e um
modo provinciano-clientelista
de se fazer política; Porto era
um grande cronista e escritor,
seu estilo continua saboroso, e
ele sabia que o riso era terrível
para os sisudos autoritários.
Segundo a editora Agir, os
"Febeapás" iniciam um plano
de relançamento de toda a obra
de Porto. Crônicas, peças, contos e o romance incompleto "O
Transplante" deverão ser publicados. Se vingar, será um
passo importante para o reconhecimento de Porto como um
grande autor, e não só como o
inventor do "Samba do Crioulo
Doido", das Certinhas do Lalau
e do Febeapá -como, quando
muito, é lembrado hoje.
Ele criou tipos marcantes como os da família de Stanislaw
(Tia Zulmira, Mirinho, Rosamundo, Bonifácio) e expressões como "máquina de fazer
doido" (televisão), "cocoroca"
-palavra com várias funções,
nenhuma delas positiva- e "bicharoca". Esta, como boa parte
do humor dele, sofreria com a
milícia politicamente correta.
FEBEAPÁ 1, 2 E 3
Autor: Stanislaw Ponte Preta
Editora: Agir
Quanto: R$ 49,90 (400 págs.)
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