São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2006

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Crítica/crônicas

As besteiras do Brasil estão de volta

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Logo no início do "Febeapá 1", o historiador Stanislaw Ponte Preta afirmava ser difícil precisar quando começou o Festival de Besteira que Assola o País. Talvez tenha sido em alguma manhã de 1500, mas na ditadura militar ele certamente ganhou um grande impulso, como prova o relançamento em um só volume dos três "Febeapás", publicados de 1966 a 1968.
Nesse período, o "jornalista, radialista, televisista, teatrólogo, humorista, publicista e bancário" Sérgio Porto (1923-1968), criador do personagem Stanislaw, resolveu combater o regime à sua maneira: rindo e fazendo rir dos absurdos oficiais da época.
É pena que a morte precoce de Porto tenha interrompido a série. O material permanece farto. Talvez falte alguém com os mesmos talento e perseverança para organizar e interpretar tanta besteira. Ele publicava em sua coluna, no "Última Hora", notas colhidas em jornais de todo o país.
Era a agência Pretapress, como batizava as informações que recebia dos colaboradores. Barbaridades das mais variadas eram aproveitadas, mas as favoritas eram as produzidas por políticos e militares.
"(...) Estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica "Electra", tendo comparecido ao local alguns agentes do Dops [Departamento de Ordem Política e Social] para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 a.C.", registrava em 1966.
Em 1968, ele relatava o protesto de Maria Fernanda contra a proibição da peça "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennessee Williams. "Lá pelas tantas, a atriz deu um grito de "viva a Democracia". O senhor [deputado] Ernani Satiro na mesma hora retrucou: "Insulto eu não tolero"."
Apesar da consistência da matéria-prima, Porto também criava muitas histórias envolvendo políticos e militares. Eram, por exemplo, anedotas como a do homem que pediu atendimento prioritário no hospital alegando: "Eu sou coronel!". Ao que o médico retrucou: "E qual é o outro mal de que o senhor se queixa?". Ou a do pai que queria registrar o filho como General Lopes e quis convencer o escrivão.
"O senhor compreende, eu sou pobre, ele também será. Quem sabe, quando ele crescer, os outros chamando ele de General, talvez, não sei... Talvez ele consiga ser mais do que eu fui...". Os exemplos podem indicar que o Febeapá envelheceu.
Mas, por pelo menos dois motivos, a impressão é falsa: as besteiras de então ajudam a traçar o Brasil de qualquer tempo, com arbitrariedades que são mais regra do que exceção e um modo provinciano-clientelista de se fazer política; Porto era um grande cronista e escritor, seu estilo continua saboroso, e ele sabia que o riso era terrível para os sisudos autoritários.
Segundo a editora Agir, os "Febeapás" iniciam um plano de relançamento de toda a obra de Porto. Crônicas, peças, contos e o romance incompleto "O Transplante" deverão ser publicados. Se vingar, será um passo importante para o reconhecimento de Porto como um grande autor, e não só como o inventor do "Samba do Crioulo Doido", das Certinhas do Lalau e do Febeapá -como, quando muito, é lembrado hoje.
Ele criou tipos marcantes como os da família de Stanislaw (Tia Zulmira, Mirinho, Rosamundo, Bonifácio) e expressões como "máquina de fazer doido" (televisão), "cocoroca" -palavra com várias funções, nenhuma delas positiva- e "bicharoca". Esta, como boa parte do humor dele, sofreria com a milícia politicamente correta.


FEBEAPÁ 1, 2 E 3     
Autor: Stanislaw Ponte Preta
Editora: Agir
Quanto: R$ 49,90 (400 págs.)


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