São Paulo, quarta, 21 de outubro de 1998

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MÚSICA ERUDITA
Concerto de Camerata Salzburg decepcionou

ARTHUR NESTROVSKI
especial para a Folha

Haydn, Mozart e Schubert: tinha tudo para dar certo. Seria maldoso dizer que deu tudo errado, mas o concerto da Camerata Acadêmica Salzburg, anteontem no Alfa Real, foi no mínimo decepcionante. A Camerata é uma orquestra de hábitos, não de iluminações. E sofreu muito com a regência de Boris Pergamenschikow, bom violoncelista convertido de surpresa em maestro. A melhor peça da noite foi o "Concerto em Dó Maior para Violoncelo e Orquestra de Haydn" (1732-1809), com o solista Pergamenschikow.
O concerto (cujo manuscrito só foi descoberto na década de 60) revela um Haydn já próximo do século 19: entregue às vastas emoções, em pensamentos perfeitos.
Pergamenschikow tocou com naturalidade, mais do que inspiração. Mas foi virtuosístico sem narcisismo, soando sempre a favor da música. Aqui, no entanto, já se anunciava na orquestra uma certa bravura artificial, verdadeira angústia da fluência, que só se acentuou ao longo do programa.
Depois do melhor, o pior: o "Adágio e Fuga de Mozart" (1756-90), regido em estilo ursino, que fez a música soar como a transcrição de uma transcrição de um arranjo de Stokovski. Toda a eletricidade da Camerata na peça seguinte -"Prelúdio e Scherzo op. 11", de Shostakovich (1906-75)- teria conferido outra vida ao Mozart, assim como, inversamente, Shostakovich se beneficiaria de um som mais mozartiano e mais irônico.
Mais ironia e mais Mozart também faltaram na interpretação da "Sinfonia nē 5 de Schubert" (1797-1828). A Camerata é uma orquestra vigorosa, mas tanto vigor serve para encobrir a falta de nuance.
Parece estranho que uma orquestra austríaca possa tocar Schubert com tamanha ausência de leveza e malícia. Salzburgo fica longe de Viena, mas não tanto.
A orquestra toca com afinação impecável, tem um grande naipe de violas, bons sopros e um spalla de desenho animado. Atira-se à música com entusiasmo e até audácia, disposta a correr riscos. Mas isso é virtude bruta se não houver uma sensibilidade capaz de refinar um pouco a música.
Tudo somado, não dá para dizer que tenha sido uma grande noite. Quinze minutos depois da saída, provavelmente ninguém mais estava pensando em música. Enfim: vem aí Gianluca Cascioli, vem aí Winton Marsalis. Mais sorte no próximo concerto.
˛

E-mail: nestro@uol.com.br



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