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MÚSICA ERUDITA
Concerto de Camerata Salzburg decepcionou
ARTHUR NESTROVSKI
especial para a Folha
Haydn, Mozart e Schubert: tinha
tudo para dar certo. Seria maldoso
dizer que deu tudo errado, mas o
concerto da Camerata Acadêmica
Salzburg, anteontem no Alfa Real,
foi no mínimo decepcionante. A
Camerata é uma orquestra de hábitos, não de iluminações. E sofreu
muito com a regência de Boris Pergamenschikow, bom violoncelista
convertido de surpresa em maestro. A melhor peça da noite foi o
"Concerto em Dó Maior para Violoncelo e Orquestra de Haydn"
(1732-1809), com o solista Pergamenschikow.
O concerto (cujo manuscrito só
foi descoberto na década de 60) revela um Haydn já próximo do século 19: entregue às vastas emoções, em pensamentos perfeitos.
Pergamenschikow tocou com
naturalidade, mais do que inspiração. Mas foi virtuosístico sem narcisismo, soando sempre a favor da
música. Aqui, no entanto, já se
anunciava na orquestra uma certa
bravura artificial, verdadeira angústia da fluência, que só se acentuou ao longo do programa.
Depois do melhor, o pior: o
"Adágio e Fuga de Mozart" (1756-90), regido em estilo ursino, que
fez a música soar como a transcrição de uma transcrição de um arranjo de Stokovski. Toda a eletricidade da Camerata na peça seguinte
-"Prelúdio e Scherzo op. 11", de
Shostakovich (1906-75)- teria
conferido outra vida ao Mozart,
assim como, inversamente, Shostakovich se beneficiaria de um som
mais mozartiano e mais irônico.
Mais ironia e mais Mozart também faltaram na interpretação da
"Sinfonia nē 5 de Schubert" (1797-1828). A Camerata é uma orquestra vigorosa, mas tanto vigor serve
para encobrir a falta de nuance.
Parece estranho que uma orquestra austríaca possa tocar
Schubert com tamanha ausência
de leveza e malícia. Salzburgo fica
longe de Viena, mas não tanto.
A orquestra toca com afinação
impecável, tem um grande naipe
de violas, bons sopros e um spalla
de desenho animado. Atira-se à
música com entusiasmo e até audácia, disposta a correr riscos. Mas
isso é virtude bruta se não houver
uma sensibilidade capaz de refinar
um pouco a música.
Tudo somado, não dá para dizer
que tenha sido uma grande noite.
Quinze minutos depois da saída,
provavelmente ninguém mais estava pensando em música. Enfim:
vem aí Gianluca Cascioli, vem aí
Winton Marsalis. Mais sorte no
próximo concerto.
˛
E-mail: nestro@uol.com.br
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