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LIVROS/LANÇAMENTO
AMOR CORRESPONDIDO
Obra reúne 30 anos de correspondência de Caio F.
Cartas do escritor narram amor nos tempos da Aids
DA REPORTAGEM LOCAL
Caio Fernando Abreu assistia
"TV Mulher", lia o jornal de classificados "Primeira Mão", sonhava em ter uma livraria especializada em pesos de papel de cristal
chamada Virginia Woolf e, melhor, não deixava de contar tudo
isso aos amigos.
A fluência e a falta de freios, que
o autor exibiu ao longo dos seus
30 anos de escrevinhações, é um
dos grandes trunfos da correspondência reunida em "Cartas".
Caio F., como gostava de assinar
sua correspondência, em alusão a
"Christiane F.", romance popular
nos seus populares anos 80, odiava falar ao telefone (como ele
mesmo crava em carta ao escritor
Charles Kiefer).
Daí vem a prolixidade das correspondências. Chegava a datilografar, suas cartas eram feitas
sempre à máquina, mais de 20
laudas.
Os interlocutores reunidos no
livro não são muitos. Da fase primeira, se destaca o volume de cartas trocadas com Hilda Hilst, uma
espécie de madrinha do escritor
iniciante. Também postava aos
montes cartas para a médica e terapeuta Vera Antoun, amiga desde os primeiros anos 70.
Do bloco recente, abundam cartas para os amigos Jacqueline
Cantore, Luciano Alabarse (que
assina o prefácio) e Maria Lídia
Magliani.
É a esta amiga, pintora, que o escritor manda uma das primeiras
notícias do descobrimento de ser
soropositivo. Com a mesma leveza que acompanha o quase todo
das 534 páginas de cartas, escreve:
"Não se preocupe. Não fique triste. Tudo me parece muito lógico:
que outra morte eu poderia ter? É
a minha cara! E futilidade sempre
foi matéria de salvação: convenhamos que é muito moderno,
muito in".
Cinco dias depois dessa carta,
em 21 de agosto de 1994, Caio Fernando Abreu tornou pública a
sua doença na crônica "Carta para Além dos Muros", no jornal "O
Estado de S.Paulo", entrando para o time dos que exibiram sem
véu o rosto magro e triste da Aids.
"Coloco o Caio no mesmo plano do Cazuza e do Renato Russo
como personalidades poéticas representativas desse fim de século
brasileiro", diz Italo Moriconi.
Organizador das cartas, assim
como do bem-sucedido volume
"Os 100 Melhores Contos do Brasil" (Objetiva), o professor da Uerj
(Universidade Estadual do Rio de
Janeiro) dividiu "Cartas - Caio
Fernando de Abreu" em dois blocos. A primeira parte ("Todas as
Horas do Fim", citação a Torquato Neto) compila correspondências dos anos 70, 80 e 90. A segunda ("Começo: o Narrador", título
de parte de romance de Silviano
Santiago) apanha cartas que ele
escreveu de 65 aos 70.
O volume só traz correspondência enviada pelo escritor. O
que, à leitura de um fragmento de
uma das cartas, parece o bastante:
"O amor que sinto pelos outros
quase sempre é suficiente, não
precisa nem ter volta", escreve a
Luciano Alabarse.
Mais do que a interlocução com
os missivistas, o escritor de virgem, ascendente escorpião e Lua
em capricórnio (como gostava de
cravar nas cartas) acaba conversando mesmo com sua época e
com sua literatura.
No castelo de cartas que saía de
sua máquina contava suas primeiras inquietudes literárias, narrava o longo parto de cinco anos
de "Onde Andará Dulce Veiga?"
("escrevi cerca de 2.000 laudas,
para chegar numas 200"), delineava o que seria seu último livro,
"Ovelhas Negras", que acaba de
ser reeditado, em versão pocket,
pela editora L&PM.
Nessas andanças entre Porto
Alegre (que chamava de "gay
port") e São Paulo, cidades nas
quais o gaúcho de Santiago viveu
a maior parte da vida, ele também
não deixa de lado o universo político brasileiro.
Com suas cartas segue a esperança da eleição de Tancredo Neves, as turbulências do Plano Cruzado, os lamentos da Era Collor.
No meio disso tudo, porém, resta mesmo uma relação muito intensa com a vida. Como diz em
carta aos pais, nos anos 80, "o que
sobra é o áspero do gesto, a secura
da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco -todas as
pessoas são loucas, inclusive nós".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
CARTAS - CAIO FERNANDO ABREU.
Organização: Italo Moriconi. Editora:
Aeroplano (tel. 0/xx/21/2529-6974).
Quanto: R$ 48 (534 págs.). Lançamento:
amanhã, às 17h. Onde: Livraria do Museu
- Museu da República (r. do Catete, 153,
Rio de Janeiro, tel. 0/xx/21/2205-0603).
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