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"Ainda estudo o jazz diariamente"
Aos 76 e prestes a lançar o CD "Sonny, Please", Sonny Rollins diz que o gênero musical está no "centro de sua existência"
Saxofonista afirma não acreditar mais que a música possa mudar o mundo, mas que seu trabalho é "manter o jazz na mente das pessoas"
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Não à toa, ele já foi chamado
de colosso, de titã, de gigante do
jazz. Aos 76 anos, o saxofonista
Sonny Rollins ainda surpreende as platéias, não só pela vitalidade que demonstra nos palcos
mas pela inventividade de seus
improvisos.
Um dos raros remanescentes
da brilhante geração de jazzistas revelada nos anos 50, Rollins é um expoente do estilo
conhecido como hard bop.
Nos últimos anos, voltou a
tocar em festivais e a fazer turnês com mais intensidade. Em
janeiro, seu novo álbum,
"Sonny, Please", sai aqui e nos
Estados Unidos.
Falando à Folha por telefone, de Nova York, Rollins lembrou da única vez que tocou no
Brasil. "Senti algo espiritual,
tocando perto do mar", disse,
sobre o show ao ar livre que fez
no Rio, em 1985. "Eu gostaria
muito de tocar em São Paulo,
além de voltar ao Rio, mas teria
que ser apenas em 2008. Minha agenda para o próximo ano
já está cheia."
Veja, a seguir, a entrevista
com o jazzista.
FOLHA - Sua composição "The
Freedom Suite" (a suíte da liberdade), gravada em 1958, foi pioneira
em atribuir ao jazz uma atitude de
protesto. O senhor ainda acredita
que o jazz possa ser um instrumento
de causas sociais e políticas?
SONNY ROLLINS - É difícil dizer
que a música seja capaz de interferir na situação política
mundial. Eu gostaria que fosse.
Quando comecei a tocar, muitos anos atrás, músicos como
eu e John Coltrane acreditávamos que iríamos mudar o mundo por meio da força da música.
Porém, apesar de toda a grande
música de Coltrane, de Miles
Davis, de Thelonious Monk, o
mundo não mudou.
FOLHA - E o que isso significa?
ROLLINS - Significa que o mundo continua dividido politicamente, que ficou mais conservador e mais ganancioso. Hoje
o mundo é muito menos humanista do que deveria ser. Desse
modo, fiquei mais cético. Eu
não acredito mais que a música
possa ajudar a mudar o comportamento das pessoas, mas
respeito quem ainda pensa dessa maneira.
FOLHA - Falando em conservadorismo, o crítico inglês Stuart Nicholson afirma em um livro recente que
o jazz criado nos Estados Unidos tornou-se muito conservador a partir
da década de 80. O senhor concorda
com ele?
ROLLINS - Há sentido nesse
ponto de vista. A idade de ouro
do jazz aconteceu por volta dos
anos 50. Depois daquele período, o jazz começou a viver um
processo de afastamento do
grande público, mas isso não
quer dizer que ele esteja próximo do fim, é apenas um ciclo.
Já disseram que o jazz estava
morrendo, em várias épocas,
mas ele sempre reaparece com
novas abordagens. Infelizmente, os jovens tiveram menos
contato com o jazz, nas últimas
décadas, mas isso está mudando com a internet. Tenho visto
muitos garotos se interessando
pelo jazz.
FOLHA - Uma compilação de suas
gravações para o selo Impulse, nos
anos 60, acaba de sair no Brasil. Alguns críticos dizem que esta foi uma
fase muito especial de sua carreira.
O senhor concorda com eles?
ROLLINS - Eu encaro toda a minha carreira como especial [risos]. Na verdade, já não me
lembro bem do que gravei na
Impulse. Precisaria ouvir essas
gravações de novo para comentá-las, mas não gosto de ouvir
meus discos [risos].
FOLHA - Essas gravações remontam à época em que o senhor e John
Coltrane eram amigos. Como encarava a visão espiritual que ele exibia
em sua música?
ROLLINS - Conhecer Coltrane
foi um privilégio. Nós conversávamos bastante a respeito de
ioga, budismo e outros assuntos espirituais. Também trocávamos livros. Aliás, dividíamos
as mesmas idéias nessa área.
FOLHA - Mesmo sendo reconhecido como astro do jazz desde os anos
50, o senhor sempre foi muito reservado. Como se sente nos dias de hoje, quando a exposição pública virou
quase um padrão social?
ROLLINS - Eu sou da "velha escola". Fico contente por ter desenvolvido uma carreira bem-sucedida no jazz, mas o que
sempre me interessou foi a música, não o sucesso. Ainda pratico o instrumento diariamente,
ainda estudo. Sei que muitos jovens de hoje valorizam a fama.
Costumo dizer a eles que, se estudarem e trabalharem duro,
talvez sejam bem-sucedidos,
porque ninguém sabe se vai ser
famoso no ramo da música.
Cresci ao lado de grandes músicos, alguns melhores do que eu
era, mas eles jamais se tornaram famosos.
FOLHA - E o que o jazz significa hoje
para o senhor?
ROLLINS - Para mim, o jazz é algo que soa sempre novo, sempre excitante e criativo. É a música que tem sempre um sentido político para o momento,
que tem sempre um sentido
cultural e religioso. Mesmo que
outros gêneros de música tenham surgido nos últimos 50
anos, o jazz ainda está no centro de minha existência musical. O meu trabalho é o de tentar manter o jazz nas mentes
das pessoas.
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