São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

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"Ainda estudo o jazz diariamente"

Aos 76 e prestes a lançar o CD "Sonny, Please", Sonny Rollins diz que o gênero musical está no "centro de sua existência"

Saxofonista afirma não acreditar mais que a música possa mudar o mundo, mas que seu trabalho é "manter o jazz na mente das pessoas"


CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Não à toa, ele já foi chamado de colosso, de titã, de gigante do jazz. Aos 76 anos, o saxofonista Sonny Rollins ainda surpreende as platéias, não só pela vitalidade que demonstra nos palcos mas pela inventividade de seus improvisos.
Um dos raros remanescentes da brilhante geração de jazzistas revelada nos anos 50, Rollins é um expoente do estilo conhecido como hard bop. Nos últimos anos, voltou a tocar em festivais e a fazer turnês com mais intensidade. Em janeiro, seu novo álbum, "Sonny, Please", sai aqui e nos Estados Unidos.
Falando à Folha por telefone, de Nova York, Rollins lembrou da única vez que tocou no Brasil. "Senti algo espiritual, tocando perto do mar", disse, sobre o show ao ar livre que fez no Rio, em 1985. "Eu gostaria muito de tocar em São Paulo, além de voltar ao Rio, mas teria que ser apenas em 2008. Minha agenda para o próximo ano já está cheia." Veja, a seguir, a entrevista com o jazzista.

 

FOLHA - Sua composição "The Freedom Suite" (a suíte da liberdade), gravada em 1958, foi pioneira em atribuir ao jazz uma atitude de protesto. O senhor ainda acredita que o jazz possa ser um instrumento de causas sociais e políticas?
SONNY ROLLINS -
É difícil dizer que a música seja capaz de interferir na situação política mundial. Eu gostaria que fosse. Quando comecei a tocar, muitos anos atrás, músicos como eu e John Coltrane acreditávamos que iríamos mudar o mundo por meio da força da música. Porém, apesar de toda a grande música de Coltrane, de Miles Davis, de Thelonious Monk, o mundo não mudou.

FOLHA - E o que isso significa?
ROLLINS -
Significa que o mundo continua dividido politicamente, que ficou mais conservador e mais ganancioso. Hoje o mundo é muito menos humanista do que deveria ser. Desse modo, fiquei mais cético. Eu não acredito mais que a música possa ajudar a mudar o comportamento das pessoas, mas respeito quem ainda pensa dessa maneira.

FOLHA - Falando em conservadorismo, o crítico inglês Stuart Nicholson afirma em um livro recente que o jazz criado nos Estados Unidos tornou-se muito conservador a partir da década de 80. O senhor concorda com ele?
ROLLINS -
Há sentido nesse ponto de vista. A idade de ouro do jazz aconteceu por volta dos anos 50. Depois daquele período, o jazz começou a viver um processo de afastamento do grande público, mas isso não quer dizer que ele esteja próximo do fim, é apenas um ciclo. Já disseram que o jazz estava morrendo, em várias épocas, mas ele sempre reaparece com novas abordagens. Infelizmente, os jovens tiveram menos contato com o jazz, nas últimas décadas, mas isso está mudando com a internet. Tenho visto muitos garotos se interessando pelo jazz.

FOLHA - Uma compilação de suas gravações para o selo Impulse, nos anos 60, acaba de sair no Brasil. Alguns críticos dizem que esta foi uma fase muito especial de sua carreira. O senhor concorda com eles?
ROLLINS -
Eu encaro toda a minha carreira como especial [risos]. Na verdade, já não me lembro bem do que gravei na Impulse. Precisaria ouvir essas gravações de novo para comentá-las, mas não gosto de ouvir meus discos [risos].

FOLHA - Essas gravações remontam à época em que o senhor e John Coltrane eram amigos. Como encarava a visão espiritual que ele exibia em sua música?
ROLLINS -
Conhecer Coltrane foi um privilégio. Nós conversávamos bastante a respeito de ioga, budismo e outros assuntos espirituais. Também trocávamos livros. Aliás, dividíamos as mesmas idéias nessa área.

FOLHA - Mesmo sendo reconhecido como astro do jazz desde os anos 50, o senhor sempre foi muito reservado. Como se sente nos dias de hoje, quando a exposição pública virou quase um padrão social?
ROLLINS -
Eu sou da "velha escola". Fico contente por ter desenvolvido uma carreira bem-sucedida no jazz, mas o que sempre me interessou foi a música, não o sucesso. Ainda pratico o instrumento diariamente, ainda estudo. Sei que muitos jovens de hoje valorizam a fama. Costumo dizer a eles que, se estudarem e trabalharem duro, talvez sejam bem-sucedidos, porque ninguém sabe se vai ser famoso no ramo da música. Cresci ao lado de grandes músicos, alguns melhores do que eu era, mas eles jamais se tornaram famosos.

FOLHA - E o que o jazz significa hoje para o senhor?
ROLLINS -
Para mim, o jazz é algo que soa sempre novo, sempre excitante e criativo. É a música que tem sempre um sentido político para o momento, que tem sempre um sentido cultural e religioso. Mesmo que outros gêneros de música tenham surgido nos últimos 50 anos, o jazz ainda está no centro de minha existência musical. O meu trabalho é o de tentar manter o jazz nas mentes das pessoas.


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