São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

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"Apocalypto" usa língua maia viva

O iucateque é falado por mais de 700 mil pessoas no México, Guatemala e Belize; elenco estudou durante cinco semanas

Ator diz que idioma é falado com "barulhos e estalos" na boca e língua; em iucateque, a entonação modifica o significado das palavras


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

A revista americana "Variety" disse que era um "obscuro dialeto maia". Outras reportagens falaram que se tratava de "um idioma antigo". Nem um nem outro. "Apocalypto", quarto longa dirigido por Mel Gibson, que estreou em primeiro lugar nas bilheterias americanas há duas semanas e chega ao Brasil no dia 26 de janeiro, é falado em iucateque. Uma língua maia (e não dialeto), ainda viva no dia-a-dia de mais de 700 mil habitantes da península do Yucatán, no México, e em partes de Belize e Guatemala.
O iucateque é uma das cerca de 30 línguas da família de idiomas maias, cuja cultura Gibson retrata em "Apocalypto". O filme acompanha a violenta jornada de um jovem fadado a morrer, quando sacrifícios humanos e construção de templos são vistos como única saída para o iminente colapso do reino maia, há mais de 500 anos.
Para o lingüista alemão Jürgen Bohnemeyer, da Universidade Estadual de Nova York, nos EUA, a opção de Gibson de usar o iucateque não é de todo forçada. Em entrevista à Folha, ele diz que, centenas de anos antes da chegada dos espanhóis à civilização maia, no início do século 16, havia ali uma forma anterior do moderno iucateque.
"Esta forma estaria para o iucateque de hoje como o português arcaico está para o moderno", explica Bohnemeyer, que estuda o idioma desde 1989. "Para os nativos, o iucateque é conhecido como maia. O nome é dado por lingüistas para diferenciá-la de outras línguas maias, como itzá, lacandón, mopán, sendo que os quatro idiomas são tão parecidos quanto português e espanhol."

Língua tem "estalos"
Em tom de brincadeira, a crítica do "New York Times" disse que a verdadeira língua do filme é a de Hollywood, a "nativa" de Gibson. O diretor, que usou hebreu, latim e aramaico em "A Paixão de Cristo", disse que novamente abriu mão do inglês por achar que um idioma estrangeiro "suspenderia a platéia da realidade", colocando-a "em meio ao mundo do filme".
Escolhido o iucateque, o roteiro assinado por Gibson e Fahrad Safinia foi traduzido e, em seguida, falantes nativos da língua ensinaram ao elenco -composto na maior parte de estreantes- durante cinco semanas. Os instrutores permaneceram no set, para traduzir e ensinar a pronúncia em eventuais mudanças no roteiro.
Não deve ter sido fácil, segundo Bohnemeyer, pois o iucateque é tonal, ou seja, a entonação da palavra varia seu significado. E o idioma tem como característica o que os lingüistas chamam de "consoante ejetiva", um som produzido na glote. O resultado é descrito pelo ator Jonathan Brewer, que vive o personagem Bronco, em depoimento que acompanha o material de promoção do filme: "É uma língua muito difícil de se aprender porque você tem de fazer todos esses barulhos e estalos com a boca e a língua."
Em entrevista ao jornal "Los Angeles Times", Gibson disse que espera que o uso de iucateque no filme dê um impulso a um idioma, segundo ele, tratado com desrespeito na América Latina: "Minha esperança é que o filme torne esta língua "cool" [legal] de novo, e eles [os nativos] falem com orgulho".
Em entrevista à Folha, o lingüista mexicano Ramón Arzápalo Marín, também especializado nos idiomas maias, concorda com Gibson: "Desde o primeiro contato com os espanhóis os maias vêm sendo explorados e humilhados. Agora, para sobreviver, eles têm que ceder seus direitos lingüísticos não somente em favor do espanhol mas também do inglês, para poder trabalhar en Cancún ou emigrar para os EUA. Isso se cruzarem a fronteira".


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