São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 2001

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ARIANO SUASSUNA

Eu, patriota de plantão

ALMANAQUE ARMORIAL
Grande Logogrifo Brasileiro da Arte, do Real e da Beleza, contendo idéias, enigmas, lembranças, informações, comentários e a narração de casos acontecidos ou inventados, escritos em prosa e verso e reunidos, num Livro Negro do Cotidiano, pelo Bacharel em Filosofia e Licenciado em Artes Ariano Suassuna


CLAUDIA ANTUNES E O PATRIOTISMO
Aqui mesmo, na Folha, Claudia Antunes publicou um artigo pelo qual me senti profundamente atingido, em minha condição de escritor e cidadão brasileiro. A propósito da tentativa de mudar o nome da Petrobras para PetroBrax, diz ela que "um efeito colateral não previsto" pela campanha tramada pelo governo foi o de "injetar mais gás nos "patriotas" de plantão".
Segundo Claudia Antunes, todos esses "patriotas de plantão" devem estar exultantes "com mais essa demonstração de "entreguismo" do governo FHC". E ela acrescenta: "Os patriotas acenam com o risco de os "estrangeiros" Malan e Armínio incluírem a venda da Petrobras em algum acordo secreto com o FMI, mesmo que a nova Lei do Petróleo os proíba disso. Falam também que há um complô para enfraquecer a empresa, depois dos desastres ambientais do ano passado".
Em primeiro lugar, eu perguntaria a Claudia Antunes: por que, ao se referir ao governo de Fernando Henrique Cardoso, ela coloca a palavra entreguismo entre aspas? Por que reclama contra nós por ficarmos desconfiados de uma ameaça contra a empresa que tanto nos orgulha e pela qual temos tanto carinho? Parece até que o governo de Fernando Henrique Cardoso não entregou a Vale do Rio Doce e tantas outras estatais que, lidando com setores vitais para a nossa soberania, eram rentáveis e, por obra dele, estão hoje em mãos alheias.
Pergunto, em segundo lugar: por que Claudia Antunes coloca também entre aspas a qualificação de "estrangeiro" dada a Pedro Malan? Esse cidadão gosta tanto do Brasil que só veio morar aqui quando foi nomeado ministro. Lembro-me de uma historia que me foi contada por meu saudoso amigo Severo Gomes: um dia, um dos ministros da área econômica do regime militar ia redigir um documento que considerava importante para sua política e pediu a Severo que lhe arranjasse um lugar para isso.
Severo Gomes, político que está fazendo tanta falta ao Brasil, tinha uma propriedade às margens do Araguaia, um lugar paradisíaco. Deu a chave da casa ao homem, que, agradecendo, viajou para aquela espécie de "versão brasileira do jardim do Éden", com praias de areia vermelha e bichos de pena ou asa que nem sequer se afastavam quando as pessoas deles se aproximavam.
Pois bem: o homem foi num dia e voltou no outro, dizendo que detestara o lugar e indagando se Severo Gomes por acaso não tinha "um apartamento em Miami ou New York", pois só ali conseguiria escrever.
Não sei nada a respeito do Armínio a quem Claudia Antunes se refere. Mas, quanto a Pedro Malan, não é por acaso que ele ocupa o mesmo cargo do economista que ficou com horror ao Araguaia. E todas as pessoas que pensam como os dois têm, na verdade, pelo Brasil, uma aversão decidida e sincera. Todos eles querem fazer do nosso País uma imitação dos Estados Unidos e sonham com o dia em que todos os brasileiros falem, vistam-se, cantem, dancem, pensem e escrevam como essas detestáveis figuras que a pátria de George Bush, Clinton e Ronald Reagan há muito tempo vem exportando para o resto do Mundo.
Assim, a meu ver, Claudia Antunes não deveria estranhar que nós estejamos com medo de que Fernando Henrique Cardoso traia mais uma vez o Povo brasileiro e entregue a Petrobras, como fez com outros setores fundamentais do nosso patrimônio, mesmo diante do indignado protesto de Aureliano Chaves e outros patriotas de plantão, que ela tenta ridicularizar. Ela mesma escreve: "Possivelmente existem no governo devotos da fé liberal que defendem a privatização da Petrobras ou a reservam para uma eventual crise econômica, mas a ressurreição desse fantasma (o dos patriotas de plantão, esclareço) não bate com as evidências do momento".
Possivelmente não: é com toda certeza existem entreguistas no governo; e, na área econômica, talvez não haja nem sequer as honrosas exceções das outras áreas. Depois, como se vê, a própria Claudia Antunes -prudentemente e para não comprometer, em futuro talvez próximo, sua credibilidade jornalística- só se sentiu capaz de afirmar que a Petrobras está garantida apenas pelas "evidências do momento".
Finalmente indago a Claudia Antunes: por que a palavra patriotismo também com aspas? Betinho -que era também um patriota de plantão e o oposto de Malan- escreveu certa vez: "Graças ao exílio, pude expor as poderosas raízes da minha nação e cultura. Senti profundamente a dor de ser estrangeiro (...). A terra natal encerra uma força telúrica e única, que alguns exprimem assim: quando morrer, quero ser enterrado na terra que me viu nascer, no quintal da casa de minha avó".
Esse amor natural e simples por nosso País e por nosso grande Povo é que, por um lado, nos entristece ao vermos os tristes caminhos pelos quais o Capitalismo neoliberal vem impelindo o Brasil; mas, por outro, leva-nos a lutar contra os seguidores do novo Bezerro que nem sequer é de Ouro, porque, nele, esse metal foi falsificado. E, se Claudia Antunes não é animada por sentimento parecido com aquele ao qual se referia Betinho, aceite meus sinceros pêsames. Continua na próxima semana.

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