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ARIANO SUASSUNA
Eu, patriota de plantão
ALMANAQUE ARMORIAL
Grande Logogrifo Brasileiro da Arte, do Real e da Beleza, contendo idéias, enigmas, lembranças, informações, comentários e a narração de casos acontecidos ou inventados, escritos em prosa e verso e reunidos, num Livro Negro do Cotidiano, pelo Bacharel em Filosofia e Licenciado em Artes Ariano Suassuna
CLAUDIA ANTUNES E O PATRIOTISMO
Aqui mesmo, na Folha, Claudia
Antunes publicou um artigo pelo
qual me senti profundamente
atingido, em minha condição de
escritor e cidadão brasileiro. A
propósito da tentativa de mudar o
nome da Petrobras para PetroBrax, diz ela que "um efeito colateral não previsto" pela campanha tramada pelo governo foi o de
"injetar mais gás nos "patriotas" de
plantão".
Segundo Claudia Antunes, todos esses "patriotas de plantão"
devem estar exultantes "com
mais essa demonstração de "entreguismo" do governo FHC". E
ela acrescenta: "Os patriotas acenam com o risco de os "estrangeiros" Malan e Armínio incluírem a
venda da Petrobras em algum
acordo secreto com o FMI, mesmo que a nova Lei do Petróleo os
proíba disso. Falam também que
há um complô para enfraquecer a
empresa, depois dos desastres
ambientais do ano passado".
Em primeiro lugar, eu perguntaria a Claudia Antunes: por que,
ao se referir ao governo de Fernando Henrique Cardoso, ela coloca a palavra entreguismo entre
aspas? Por que reclama contra
nós por ficarmos desconfiados de
uma ameaça contra a empresa
que tanto nos orgulha e pela qual
temos tanto carinho? Parece até
que o governo de Fernando Henrique Cardoso não entregou a Vale do Rio Doce e tantas outras estatais que, lidando com setores vitais para a nossa soberania, eram
rentáveis e, por obra dele, estão
hoje em mãos alheias.
Pergunto, em segundo lugar:
por que Claudia Antunes coloca
também entre aspas a qualificação de "estrangeiro" dada a Pedro
Malan? Esse cidadão gosta tanto
do Brasil que só veio morar aqui
quando foi nomeado ministro.
Lembro-me de uma historia que
me foi contada por meu saudoso
amigo Severo Gomes: um dia, um
dos ministros da área econômica
do regime militar ia redigir um
documento que considerava importante para sua política e pediu
a Severo que lhe arranjasse um lugar para isso.
Severo Gomes, político que está
fazendo tanta falta ao Brasil, tinha
uma propriedade às margens do
Araguaia, um lugar paradisíaco.
Deu a chave da casa ao homem,
que, agradecendo, viajou para
aquela espécie de "versão brasileira do jardim do Éden", com
praias de areia vermelha e bichos
de pena ou asa que nem sequer se
afastavam quando as pessoas deles se aproximavam.
Pois bem: o homem foi num dia
e voltou no outro, dizendo que
detestara o lugar e indagando se
Severo Gomes por acaso não tinha "um apartamento em Miami
ou New York", pois só ali conseguiria escrever.
Não sei nada a respeito do Armínio a quem Claudia Antunes se
refere. Mas, quanto a Pedro Malan, não é por acaso que ele ocupa
o mesmo cargo do economista
que ficou com horror ao Araguaia. E todas as pessoas que pensam como os dois têm, na verdade, pelo Brasil, uma aversão decidida e sincera. Todos eles querem
fazer do nosso País uma imitação
dos Estados Unidos e sonham
com o dia em que todos os brasileiros falem, vistam-se, cantem,
dancem, pensem e escrevam como essas detestáveis figuras que a
pátria de George Bush, Clinton e
Ronald Reagan há muito tempo
vem exportando para o resto do
Mundo.
Assim, a meu ver, Claudia Antunes não deveria estranhar que
nós estejamos com medo de que
Fernando Henrique Cardoso
traia mais uma vez o Povo brasileiro e entregue a Petrobras, como
fez com outros setores fundamentais do nosso patrimônio,
mesmo diante do indignado protesto de Aureliano Chaves e outros patriotas de plantão, que ela
tenta ridicularizar. Ela mesma escreve: "Possivelmente existem no
governo devotos da fé liberal que
defendem a privatização da Petrobras ou a reservam para uma
eventual crise econômica, mas a
ressurreição desse fantasma (o
dos patriotas de plantão, esclareço) não bate com as evidências do
momento".
Possivelmente não: é com toda
certeza existem entreguistas no
governo; e, na área econômica,
talvez não haja nem sequer as
honrosas exceções das outras
áreas. Depois, como se vê, a própria Claudia Antunes -prudentemente e para não comprometer,
em futuro talvez próximo, sua
credibilidade jornalística- só se
sentiu capaz de afirmar que a Petrobras está garantida apenas pelas "evidências do momento".
Finalmente indago a Claudia
Antunes: por que a palavra patriotismo também com aspas?
Betinho -que era também um
patriota de plantão e o oposto de
Malan- escreveu certa vez:
"Graças ao exílio, pude expor as
poderosas raízes da minha nação
e cultura. Senti profundamente a
dor de ser estrangeiro (...). A terra
natal encerra uma força telúrica e
única, que alguns exprimem assim: quando morrer, quero ser
enterrado na terra que me viu
nascer, no quintal da casa de minha avó".
Esse amor natural e simples por
nosso País e por nosso grande Povo é que, por um lado, nos entristece ao vermos os tristes caminhos pelos quais o Capitalismo
neoliberal vem impelindo o Brasil; mas, por outro, leva-nos a lutar contra os seguidores do novo
Bezerro que nem sequer é de Ouro, porque, nele, esse metal foi falsificado. E, se Claudia Antunes
não é animada por sentimento
parecido com aquele ao qual se
referia Betinho, aceite meus sinceros pêsames. Continua na próxima semana.
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