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ROMANCE
Em "State of Fear", personagens dão aulas sobre mudança climática
Crichton faz libelo entediante contra aquecimento global
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Depois de faturar milhões
com denúncias da "hubris"
tecnocientífica em livros de ficção
como "Presa" (nanotecnologia) e
"Parque Jurássico" (engenharia
genética), Michael Crichton parte
agora ao ataque contra uma categoria inteira de pesquisadores, os
climatologistas. Seu novo livro,
"State of Fear" (Estado de Medo),
é um longo e tenebroso libelo
contra a idéia de aquecimento
global. Nada contra embutir uma
tese num romance, por certo, mas
é preciso um mínimo de arte e sutileza. Ele abriu mão de ambas.
Arte não há nas 603 páginas da
obra, apenas um exercício infindável da técnica de manter leitores em suspense com ação e diálogos. Resumo do futuro filme: ambientalistas radicais preparam
atos ecoterroristas (da produção
de um supericeberg na Antártida
à de um tsunami no Pacífico) para
convencer a opinião pública de
que a mentira da mudança climática é real; mocinhos céticos os
combatem e vencem com armas,
astúcia e verdades.
Sutileza, tampouco. Crichton
não tem culpa pelo mau passo do
tsunami, pois o livro saiu três semanas antes do desastre no Índico. Também não seria o caso de
cobrar verossimilhança numa
obra dessas, mas que os atentados
são demais para a paciência do
freguês, isso são. O pior vem com
as inúmeras interrupções da ação
para aulas e mais aulas de personagens sobre as supostas inverdades acerca da mudança climática
-com notas de rodapé e tudo.
Para uma ficção, é no mínimo
inusitado vir acompanhada de 34
páginas de apêndices, das quais
20 de bibliografia. Segundo o autor, foram três anos de leituras sobre ambiente. Poderia ser criativo
e resultou entediante.
Na sua tentativa de ser mais
científico que os cientistas-vilões
do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática,
órgão da ONU), Crichton escorrega várias vezes. Um exemplo: ao
negar que a neve do Kilimanjaro
esteja derretendo por causa do
aquecimento global, dá duas referências, uma delas na prestigiada
revista "Nature"; na realidade,
trata-se de uma reportagem para
o site www.nature.com/news.
Outro exemplo: o escritor ataca
os climatologistas do IPCC dizendo que eles têm uma agenda e que
isso enviesa seus trabalhos, propondo como solução exemplar
estudos duplo-cego, usados nos
testes de novos remédios. Afora o
fato de não haver paralelo metodológico possível entre modelagem climatológica e testes clínicos
de medicamentos, Crichton foi
infeliz na escolha do modelo. É difícil encontrar, hoje, um exemplo
mais acabado de enviesamento
em pesquisas (após o caso Vioxx).
O mais lamentável é que o livro
está cheio de boas tiradas: "Se há
uma coisa pior do que um esquerdista de limusine, é um ambientalista de [jato] Gulfstream". São estocadas saborosas e necessárias
contra os exageros ridículos facilmente encontráveis entre ambientalistas de verniz, mas que se
perdem num oceano de artigos de
fé cética (com perdão do oximoro): "A ameaça do aquecimento
global é essencialmente inexistente. Mesmo se fosse um fenômeno
real, resultaria provavelmente
num saldo benéfico para a maior
parte do mundo".
Não existe apoio em pesquisas
para essa tese de Crichton. A única tese incontestável sobre o novo
livro de Crichton é que ele se debruçou longamente sobre a obra
polêmica de Bjorn Lomborg, "O
Ambientalista Cético", e fez dela
uma leitura muito pouco cética.
State of Fear
Autor: Michael Crichton
Editora: Harper USA
Quanto: R$ 107 (603 págs.)
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