São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Ambição desmedida conspira contra o talento de João Tordo

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

"As Três Vidas", de João Tordo, lembra, em alguns aspectos, o jogo ficcional de "Reparação", de Ian McEwan, um dos romances mais relevantes das últimas duas ou três décadas.
Falta ao texto do escritor português, em suas mais de 600 páginas, contudo, a condução magistral daquela obra, que faz com que nenhuma página pareça desnecessária, que nenhum conflito ou resolução de conflito soe gratuito.
Aqui, na longa rememoração transfigurada em livro que o narrador faz de sua vida, problemas assim surgem repetidas vezes.
A ação transcorre principalmente em três momentos.
Uma parte considerável da narrativa trata das relações que o protagonista estabelece com António Augusto Millhouse Pascal, de quem se torna secretário.
O misterioso senhor vive em um casarão afastado com um jardineiro, que é uma mistura de gerente-geral de seus assuntos profissionais e guarda-costas de eficiência inequívoca, e com os três netos que o visitam apenas esporadicamente.
Millhouse Pascal recebe clientes altamente selecionados para algum tipo de tratamento.
A obra lida com o desconhecimento do leitor a respeito do que de fato acontece nessas sessões, com as suspeitas do jovem narrador e com a atração que ele logo sente por Camila, a neta mais velha, para construir um clima interessante, que certamente ganharia impacto (como de resto, todo o livro) após um trabalho extra de edição de texto.

TOM CONFESSIONAL
"As Três Vidas" é um daqueles casos claros em que a ambição das centenas de páginas escritas conspira contra o resultado. Resolvidos alguns dos enigmas, a história se transfere para Nova York, onde um adoecido Millhouse Pascal e seu secretário tentam encontrar Camila, que para lá fugira.
Nesse trecho, a busca pela moça e as rememorações do passado de Pascal em meio a grandes eventos do século 20 se alternam, e são essas rememorações -exageradas e, muitas vezes, deslocadas- que enfraquecem o conjunto, que só reencontra força nas partes finais, quando o enredo se aproxima do presente.
Nesse instante, menos pela solução dos conflitos até então apresentados e mais pela densidade emocional que o protagonista adquire ao intensificar o tom confessional de seu relato, constata-se o talento do escritor.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

AS TRÊS VIDAS

AUTOR João Tordo
EDITORA Língua Geral
QUANTO R$ 49 (608 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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