São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Marcelo Ferroni corrói imagem heroica e romântica de Che


NA PRÁTICA DA AÇÃO, OS GUERRILHEIROS NÃO SE DISTINGUIRIAM DE LADRÕES DE GALINHA

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro "Método Prático da Guerrilha", primeiro romance de Marcelo Ferroni, é uma provocação.
A "reconstituição ficcional dos últimos passos de Che Guevara", como anuncia a tarja da capa do livro, é uma depredação frontal da imagem de guerrilheiro heroico e romântico lograda pelo "Che".
O romance é conduzido com registro fluente e despojado, de efeito "informativo". A principal tática de verossimilhança para a sua versão da história é infiltrar na guerrilha, ao lado do Che, uma personagem de ficção.
No caso, um brasileiro de codinome João Batista, posteriormente preso e interrogado pelo CIA, cujas confissões apenas teriam sido liberadas pelo Departamento de Estado em 2004.
Por meio delas se fica sabendo que a operação de Che nas selvas bolivianas não recebeu treinamento nem preparação adequada, e que suas decisões não foram políticas ou técnicas.
Resultaram de inépcia, machismo, concupiscência, venalidade, vaidade, arrogância; de preconceitos contra os bolivianos e de incompreensão total da região e de seus habitantes; de apatia, crueldade, e, enfim, dos repentes da vontade do chefe. Privado de senso de realidade, o proselitismo fantasioso do Che apenas rivalizava em esvaziamento intelectual com os eventos ínfimos que anotava em seu diário.

LADRÕES DE GALINHA
Na prática mesma da ação, os guerrilheiros não se distinguiriam de ladrões de galinha, a não ser pela dose desmedida da violência empregada contra povoados miseráveis. O troco vem com a fama de serem "comunistas paraguaios".
Ainda segundo o relato, não menos idiotas e cruéis são os militares no poder, cuja face mais sinistra é a do nazista Klaus Barbie, vivendo como um abastado senhor de terras; a mais ridícula é a dos soldados que não querem meter uma bala no bandido sem ao menos tirar uma foto ao lado da celebridade.
Esse último aspecto esboça o essencial do livro que é a própria ideia do sentido ficcional da reconstrução histórica. Basta ver que o nome de João Batista (não bastasse ele próprio referir a narrativa bíblica do batismo do Cristo) é Paulo Neumann.
O real, aqui, não tem face única, pois se sabe que Paul Newman é o ator de "Butch Cassidy" (1969), o ladrão de cavalos do meio-oeste americano, também romantizado por Hollywood, e que também teria sido liquidado na floresta boliviana.
A pretensão revolucionária, a julgar pelo livro, não se efetua na ação, mas na produção escrita nos quais seus autores se autoconfirmam como heróis, à imitação do Che -sempre distante de tudo, menos da bombinha de asma e do diário.
Bem entendido, o método prático da guerrilha é um manual cujo segredo é mitificar os escribas. Segundo seu ideador, o método cola.
E não só em "dirigentes de entidades estudantis, modelos e ecologistas, que posam à frente de pôsteres ou estampas com seu rosto, mas o confundem frequentemente com Bob Marley".


ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp

MÉTODO PRÁTICO DA
GUERRILHA


AUTOR Marcelo Ferroni
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 41 (232 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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