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GASTRONOMIA
Chef quer bater França na "Copa da Comida'
CRISTIANA COUTO
especial para a Folha
Às vésperas de um dos mais importantes torneios de gastronomia
do mundo, o chef brasileiro Frederico Frank se desculpa por chegar
para a entrevista com o uniforme
sujo. Ele havia acabado de preparar um prato com pombo, seu último treino antes de embarcar para
a França e representar o Brasil no
Concours Mondial de la Cuisine
Bocuse d'Or, que acontece em
Lyon nos próximos dias 26 e 27.
Depois de seis meses de concentração, dois anos de expectativas,
quatro quilos a mais e alguns pesadelos, Frank, subchef do restaurante Roanne, em São Paulo, entra
em campo com o sonho de ganhar
essa espécie de "Copa do Mundo
de juniores da gastronomia".
O brasileiro de 27 anos vai enfrentar outras 21 jovens revelações
mundiais, com idade mínima de
23 anos. E, revanche máxima, tentar tirar a taça dos franceses, os donos da bola. "Estão com a Copa do
Mundo na cabeça, são favoritos,
mas podem cair do cavalo."
Se ganhar, mais importante que
os 13 mil euros do prêmio (cerca de
R$ 23,5 mil) é a consagração de entrar para o seleto time de chefs premiados internacionais.
Ressentimentos futebolísticos à
parte, as chances de Frank são pequenas. "Vamos levar entre os
americanos (EUA, Canadá, Argentina, México) e brigar pau a pau
com os africanos", diz o chef, confiante. "Ele tem tudo para chegar
em quinto lugar", torce o chef Emmanuel Bassoleil, seu patrão no
Roanne, membro da Abaga (Associação Brasileira de Alta Gastronomia), que apóia o chef, e da comissão técnica responsável pelo treinamento de Frank.
O concurso, criado pelo mestre
da gastronomia francesa Paul Bocuse em 1987, já consumiu em seis
meses cerca de R$ 500 mil da Nestlé Food Services, que patrocina
Frank. Acontece a cada dois anos e
conta com representantes de 22
países -entre eles, pesos-pesados
como Dinamarca, Noruega, Bélgica e Japão. O seleto time de vencedores se resume a França (quatro
vezes), Luxemburgo e Suécia.
As receitas de Frank vão ser julgadas nos quesitos paladar, apresentação e originalidade. Ele prepara uma merluza negra e um
pombo, "temas" definidos pelo
torneio. Cada prato é acompanhado por três guarnições e um molho, escolhas de Frank.
Depois de vencer dois outros
concursos que o levaram ao Bocuse d'Or (o regional Jovens Talentos, em 97, e o nacional Nestlé Toque d'Or, em 98), Frank embarca
amanhã disposto a impressionar
os jurados com ingredientes da
terra. "A idéia é fazer melhor o que
eles não sabem fazer. Tutu-de-feijão, por exemplo."
E, com uma mise-en-scène tipicamente brasileira, sorridente e
bem-humorado, o jovem chef vai
exibir palmitos selvagens gigantes
do litoral norte de São Paulo e polpa de cajus baianos que deixa à
mostra para perfumar o ambiente.
Frank vai executar, com seu assistente André Luís Pereira, 21, as
duas receitas em cinco horas e
meia -nem um minuto a mais,
sob pena de perder um ponto a cada 60 segundos. Ao final, as criações devem desfilar impecáveis em
duas enormes bandejas de prata
(1,20 m por 80 cm). Depois de fotografadas, elas serão degustadas pelos 22 juízes -11 deles provam o
peixe e os outros 11, o pombo.
"É a diferença entre o cozinheiro
e o pintor. A nossa arte desaparece
em cinco minutos, e a deles permanece por séculos", brinca Frank.
Leia os principais trechos da entrevista que o chef concedeu à Folha no restaurante Roanne.
PESADELOS - "Nas noites anteriores aos treinos, acordo de hora
em hora. Tenho pesadelos em que
esqueço minhas facas. Então decidi amarrá-las no porta-malas do
carro. E rezo para não roubarem
meu carro com elas dentro."
MACETES - "Nada de massas folhadas, que perdem o crocante
quando esfriam, nem suflês, que
murcham. Optamos pelo tutu de
feijão, que segura o calor por tempo suficiente até ser degustado."
CRONÔMETRO - O primeiro prato a ser servido, o peixe, está programado para sair com quatro horas e 58 minutos. Dez minutos para
passar pelos jurados, ser fotografado, colocado em pratos e degustado. "O tempo certo para atingir a
temperatura ideal e ser provado."
DO JARDIM - "Na competição,
valoriza-se o uso de produtos nacionais. Surgiu a abóbora cozida
na cal, coisa de interior, o caju, o
tutu, bem simples e bem brasileiro,
nosso capim-santo, mais perfumado, que a gente pega no jardim de
um velhinho."
JEITINHO BRASILEIRO - As receitas são coloridas, e Frank promete distribuir sorrisos a cada pergunta dos jurados. "A vantagem de
ser brasileiro é o bom humor e o jogo de cintura. Chego na mesa de
preparo com um palmito imenso.
Passo a faca de ponta a ponta,
abro-o no meio como se estivesse
construindo uma canoa."
FEELING - "Acho que vou conseguir uma posição melhor que a de
meu antecessor (o chef Naim, décimo lugar em 97, a melhor classificação brasileira). Competir, para
mim, é ganhar. Mas talvez ganhe
uma das menções honrosas, como
o melhor prato de pombo, o melhor prato de peixe ou a melhor organização."
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