São Paulo, sexta, 22 de janeiro de 1999

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GASTRONOMIA
Chef quer bater França na "Copa da Comida'

CRISTIANA COUTO
especial para a Folha

Às vésperas de um dos mais importantes torneios de gastronomia do mundo, o chef brasileiro Frederico Frank se desculpa por chegar para a entrevista com o uniforme sujo. Ele havia acabado de preparar um prato com pombo, seu último treino antes de embarcar para a França e representar o Brasil no Concours Mondial de la Cuisine Bocuse d'Or, que acontece em Lyon nos próximos dias 26 e 27.
Depois de seis meses de concentração, dois anos de expectativas, quatro quilos a mais e alguns pesadelos, Frank, subchef do restaurante Roanne, em São Paulo, entra em campo com o sonho de ganhar essa espécie de "Copa do Mundo de juniores da gastronomia".
O brasileiro de 27 anos vai enfrentar outras 21 jovens revelações mundiais, com idade mínima de 23 anos. E, revanche máxima, tentar tirar a taça dos franceses, os donos da bola. "Estão com a Copa do Mundo na cabeça, são favoritos, mas podem cair do cavalo."
Se ganhar, mais importante que os 13 mil euros do prêmio (cerca de R$ 23,5 mil) é a consagração de entrar para o seleto time de chefs premiados internacionais.
Ressentimentos futebolísticos à parte, as chances de Frank são pequenas. "Vamos levar entre os americanos (EUA, Canadá, Argentina, México) e brigar pau a pau com os africanos", diz o chef, confiante. "Ele tem tudo para chegar em quinto lugar", torce o chef Emmanuel Bassoleil, seu patrão no Roanne, membro da Abaga (Associação Brasileira de Alta Gastronomia), que apóia o chef, e da comissão técnica responsável pelo treinamento de Frank.
O concurso, criado pelo mestre da gastronomia francesa Paul Bocuse em 1987, já consumiu em seis meses cerca de R$ 500 mil da Nestlé Food Services, que patrocina Frank. Acontece a cada dois anos e conta com representantes de 22 países -entre eles, pesos-pesados como Dinamarca, Noruega, Bélgica e Japão. O seleto time de vencedores se resume a França (quatro vezes), Luxemburgo e Suécia.
As receitas de Frank vão ser julgadas nos quesitos paladar, apresentação e originalidade. Ele prepara uma merluza negra e um pombo, "temas" definidos pelo torneio. Cada prato é acompanhado por três guarnições e um molho, escolhas de Frank.
Depois de vencer dois outros concursos que o levaram ao Bocuse d'Or (o regional Jovens Talentos, em 97, e o nacional Nestlé Toque d'Or, em 98), Frank embarca amanhã disposto a impressionar os jurados com ingredientes da terra. "A idéia é fazer melhor o que eles não sabem fazer. Tutu-de-feijão, por exemplo."
E, com uma mise-en-scène tipicamente brasileira, sorridente e bem-humorado, o jovem chef vai exibir palmitos selvagens gigantes do litoral norte de São Paulo e polpa de cajus baianos que deixa à mostra para perfumar o ambiente.
Frank vai executar, com seu assistente André Luís Pereira, 21, as duas receitas em cinco horas e meia -nem um minuto a mais, sob pena de perder um ponto a cada 60 segundos. Ao final, as criações devem desfilar impecáveis em duas enormes bandejas de prata (1,20 m por 80 cm). Depois de fotografadas, elas serão degustadas pelos 22 juízes -11 deles provam o peixe e os outros 11, o pombo.
"É a diferença entre o cozinheiro e o pintor. A nossa arte desaparece em cinco minutos, e a deles permanece por séculos", brinca Frank.
Leia os principais trechos da entrevista que o chef concedeu à Folha no restaurante Roanne.

PESADELOS - "Nas noites anteriores aos treinos, acordo de hora em hora. Tenho pesadelos em que esqueço minhas facas. Então decidi amarrá-las no porta-malas do carro. E rezo para não roubarem meu carro com elas dentro."

MACETES - "Nada de massas folhadas, que perdem o crocante quando esfriam, nem suflês, que murcham. Optamos pelo tutu de feijão, que segura o calor por tempo suficiente até ser degustado."

CRONÔMETRO - O primeiro prato a ser servido, o peixe, está programado para sair com quatro horas e 58 minutos. Dez minutos para passar pelos jurados, ser fotografado, colocado em pratos e degustado. "O tempo certo para atingir a temperatura ideal e ser provado."

DO JARDIM - "Na competição, valoriza-se o uso de produtos nacionais. Surgiu a abóbora cozida na cal, coisa de interior, o caju, o tutu, bem simples e bem brasileiro, nosso capim-santo, mais perfumado, que a gente pega no jardim de um velhinho."

JEITINHO BRASILEIRO - As receitas são coloridas, e Frank promete distribuir sorrisos a cada pergunta dos jurados. "A vantagem de ser brasileiro é o bom humor e o jogo de cintura. Chego na mesa de preparo com um palmito imenso. Passo a faca de ponta a ponta, abro-o no meio como se estivesse construindo uma canoa."

FEELING - "Acho que vou conseguir uma posição melhor que a de meu antecessor (o chef Naim, décimo lugar em 97, a melhor classificação brasileira). Competir, para mim, é ganhar. Mas talvez ganhe uma das menções honrosas, como o melhor prato de pombo, o melhor prato de peixe ou a melhor organização."



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