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TEATRO/CRÍTICA
"O PARAÍSO PERDIDO"
Remontagem prepara Teatro da Vertigem para um novo começo
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Q ue anjos são esses que andam por aí? Estranhamente
familiar como uma canção de infância, volta ao cartaz "O Paraíso
Perdido", do Teatro da Vertigem,
com seu cortejo de anjos melancólicos, ávidos de cotidiano como
os anjos de Wim Wenders.
Dez anos depois da estréia, o encantamento permanece intacto.
Soltos no escuro, como em um jogo de cabra-cega, o público errante, expulso da segurança da separação entre palco e platéia, se arrisca a cada passo a compartilhar
a dura experiência da queda, para
se cobrir do ouro e prata das delicadas e inesquecíveis imagens
criadas por Antônio Araújo.
É outro o espetáculo, no entanto. Não dialoga mais com os nichos barrocos da igreja de Santa
Ifigênia, quando desaninhava os
frágeis pecados encravados ali, na
sua arquitetura labiríntica, entre a
culpa e a revelação do consolo.
Na catedral Anglicana, no entanto, o espetáculo ganha uma dimensão quase abstrata, na pureza
dos espaços amplos que pregam a
ausência de imagens humanas.
Aumenta o desamparo dos anjos
caídos por terem que preencher
esse vazio cósmico com as pequenas e fundas dores humanas.
Sendo os atores as únicas imagens, delineia-se mais claramente
a ponte que os fragmentos de
John Milton, escolhidos por Sérgio de Carvalho, fazem com a dor
cotidiana.
Assim, quando logo no início
um dos anjos lança o enigma:
"quando a criança chora, ela ganha ou perde o mundo?". Ele não
é desenvolvido em retóricas metafísicas, mas em uma curta coreografia na qual mães deixam os
filhos caírem de seu colo, para seu
terror e alegria. Expulsa do paraíso da infância, ao qual não poderá
voltar, Lucienne Guedes aponta
uma arma para a cabeça e canta:
momento sagrado, quase litúrgico, que em dez anos não perdeu
seu impacto. Momento definitivo
no teatro, assim como a cena da
"lacrimosa", na qual Vanderlei
Bernardino chora, inconsolável,
até fazer seu consolador desmoronar também.
De que texto se partiu para essas
cenas? Não importa: o essencial
encontrou sua forma. Ferido pela
dúvida, abandonado pelo Pai, o
espectador é levado a checar suas
convicções. Sai-se de "Paraíso
Perdido" com renovada fé: em
Deus ou nos homens.
Após "O Livro de Jó" e "Apocalipse 1,11", o Teatro da Vertigem
retorna assim às origens com a serenidade do recomeço. O sopro
do princípio ecoa o último suspiro, o alfa é o ômega. Reciclado pela remontagem integral da trilogia, o grupo está pronto para recomeçar.
O Paraíso Perdido
Texto: Sérgio de Carvalho
Direção: Antônio Araújo
Com: grupo Teatro da Vertigem
Onde: catedral anglicana de São Paulo
(r. Comendador Elias Zarzur, 1.239, SP,
tel. 0/xx/11/5686-2180)
Quando: às quartas, 21h; até 27/3
Quanto: R$ 30 (venda de ingressos à r.
Roberto Simonsen, 136 B, Centro, às ter.
e qua., das 16h às 18h, e de qui. a dom.,
das 16h às 19h
Patrocinador: Brasil Telecom
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