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São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 2003

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TEATRO/CRÍTICA

"O PARAÍSO PERDIDO"

Remontagem prepara Teatro da Vertigem para um novo começo

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Q ue anjos são esses que andam por aí? Estranhamente familiar como uma canção de infância, volta ao cartaz "O Paraíso Perdido", do Teatro da Vertigem, com seu cortejo de anjos melancólicos, ávidos de cotidiano como os anjos de Wim Wenders.
Dez anos depois da estréia, o encantamento permanece intacto. Soltos no escuro, como em um jogo de cabra-cega, o público errante, expulso da segurança da separação entre palco e platéia, se arrisca a cada passo a compartilhar a dura experiência da queda, para se cobrir do ouro e prata das delicadas e inesquecíveis imagens criadas por Antônio Araújo.
É outro o espetáculo, no entanto. Não dialoga mais com os nichos barrocos da igreja de Santa Ifigênia, quando desaninhava os frágeis pecados encravados ali, na sua arquitetura labiríntica, entre a culpa e a revelação do consolo.
Na catedral Anglicana, no entanto, o espetáculo ganha uma dimensão quase abstrata, na pureza dos espaços amplos que pregam a ausência de imagens humanas. Aumenta o desamparo dos anjos caídos por terem que preencher esse vazio cósmico com as pequenas e fundas dores humanas.
Sendo os atores as únicas imagens, delineia-se mais claramente a ponte que os fragmentos de John Milton, escolhidos por Sérgio de Carvalho, fazem com a dor cotidiana.
Assim, quando logo no início um dos anjos lança o enigma: "quando a criança chora, ela ganha ou perde o mundo?". Ele não é desenvolvido em retóricas metafísicas, mas em uma curta coreografia na qual mães deixam os filhos caírem de seu colo, para seu terror e alegria. Expulsa do paraíso da infância, ao qual não poderá voltar, Lucienne Guedes aponta uma arma para a cabeça e canta: momento sagrado, quase litúrgico, que em dez anos não perdeu seu impacto. Momento definitivo no teatro, assim como a cena da "lacrimosa", na qual Vanderlei Bernardino chora, inconsolável, até fazer seu consolador desmoronar também.
De que texto se partiu para essas cenas? Não importa: o essencial encontrou sua forma. Ferido pela dúvida, abandonado pelo Pai, o espectador é levado a checar suas convicções. Sai-se de "Paraíso Perdido" com renovada fé: em Deus ou nos homens.
Após "O Livro de Jó" e "Apocalipse 1,11", o Teatro da Vertigem retorna assim às origens com a serenidade do recomeço. O sopro do princípio ecoa o último suspiro, o alfa é o ômega. Reciclado pela remontagem integral da trilogia, o grupo está pronto para recomeçar.


O Paraíso Perdido
     Texto: Sérgio de Carvalho Direção: Antônio Araújo Com: grupo Teatro da Vertigem Onde: catedral anglicana de São Paulo (r. Comendador Elias Zarzur, 1.239, SP, tel. 0/xx/11/5686-2180) Quando: às quartas, 21h; até 27/3 Quanto: R$ 30 (venda de ingressos à r. Roberto Simonsen, 136 B, Centro, às ter. e qua., das 16h às 18h, e de qui. a dom., das 16h às 19h Patrocinador: Brasil Telecom


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