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Cinema/estréia
Crítica/"Na Natureza Selvagem"
Sean Penn acerta ao filmar busca por ideal
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
"Mensagem ecológica embalada
em lindas paisagens retratadas com bela fotografia." É mais ou menos a promessa publicitária do trailer de
"Na Natureza Selvagem". Mas
quem for ver o filme com esta
expectativa vai quebrar a cara.
Indicado a dois Oscars (ator
coadjuvante, Hal Holbrook, e
montagem), o quarto longa dirigido por Sean Penn acompanha a saga pessoal de um jovem
que abandona tudo e todos para viver um ideal de liberdade.
Tudo o que nesta sinopse pode parecer um "revival" de
ideais hippies está lá: a aversão
à sociedade de consumo, o apelo da natureza, a recusa dos valores dos pais e a busca de um
modo de vida autêntico.
O que Sean Penn propõe,
contudo, nada tem a ver com a
idealização dos anos 60 que
mal sustenta bobagens como o
hippismo de butique do recente "Across the Universe". A vertente que ele reencontra é a de
pensadores, poetas e artistas
que marcaram profundamente
a alma americana. Thoreau,
Whitman, Jack London e Jack
Kerouac foram nomes que traduziram em palavras um anseio de experiências na contramão do processo civilizatório.
Em todos eles, predomina
uma ruptura com a estabilidade em proveito da aventura. A
história real de Christopher
McCandless, narrada numa reportagem e depois em livro por
Jon Krakauer, ofereceu a Penn
a oportunidade para demonstrar que essa vontade de dissidência continuava viva.
E é nisto que ele se concentra, dando ao relato a forma
quase sempre bem-sucedida de
"road-movie", com a qual dialoga com essa releitura do western, esse mito pop da contracultura que é "Sem Destino".
Por mais juvenil e ingênua
que pareça, a ruptura com a família, que marca o início da
aventura de McCandless (Emile Hirsch), é uma decisão política. E político o filme de Penn
permanece o tempo todo em
que seu personagem ziguezagueia pelo território americano
até encontrar-se isolado dentro
de um ônibus no Alasca. Uma
política surda, feita de recusa,
que indica um impasse nas relações e que o jovem só consegue expressar renegando.
Todos os personagens adultos com que ele cruza reiteram
essa "falha". Mas Chris mantém-se fiel a um ideal.
O mais interessante é como
Penn não se preocupa em ser
pedagógico com seu personagem. O diretor prefere a sutileza, construída em encontros
com os tipos humanos que alimentam o filme de variedade.
Na mesma medida em que
Chris recusa a sociabilidade
formal, ele descobre outras
pessoas, modos de pensar e formas de associação.
A vantagem das pessoas que
surgem em seu caminho é que
todas são provisórias, podem se
perder e se reatar em outro momento, o contrário da imposta
pela família, da qual o personagem se afasta em definitivo.
Nestes encontros fugazes,
muito mais que perdido na natureza selvagem, é que o jovem
Chris afirma a humanidade.
NA NATUREZA SELVAGEM
Produção: EUA, 2007
Direção: Sean Penn
Com: Emile Hirsch e Hal Holbrook
Onde: estréia hoje nos cines Bombril, iG Cine e circuito
Avaliação: ótimo
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