São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinema/estréia

Crítica/"Na Natureza Selvagem"

Sean Penn acerta ao filmar busca por ideal

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

"Mensagem ecológica embalada em lindas paisagens retratadas com bela fotografia." É mais ou menos a promessa publicitária do trailer de "Na Natureza Selvagem". Mas quem for ver o filme com esta expectativa vai quebrar a cara.
Indicado a dois Oscars (ator coadjuvante, Hal Holbrook, e montagem), o quarto longa dirigido por Sean Penn acompanha a saga pessoal de um jovem que abandona tudo e todos para viver um ideal de liberdade.
Tudo o que nesta sinopse pode parecer um "revival" de ideais hippies está lá: a aversão à sociedade de consumo, o apelo da natureza, a recusa dos valores dos pais e a busca de um modo de vida autêntico.
O que Sean Penn propõe, contudo, nada tem a ver com a idealização dos anos 60 que mal sustenta bobagens como o hippismo de butique do recente "Across the Universe". A vertente que ele reencontra é a de pensadores, poetas e artistas que marcaram profundamente a alma americana. Thoreau, Whitman, Jack London e Jack Kerouac foram nomes que traduziram em palavras um anseio de experiências na contramão do processo civilizatório.
Em todos eles, predomina uma ruptura com a estabilidade em proveito da aventura. A história real de Christopher McCandless, narrada numa reportagem e depois em livro por Jon Krakauer, ofereceu a Penn a oportunidade para demonstrar que essa vontade de dissidência continuava viva.
E é nisto que ele se concentra, dando ao relato a forma quase sempre bem-sucedida de "road-movie", com a qual dialoga com essa releitura do western, esse mito pop da contracultura que é "Sem Destino".
Por mais juvenil e ingênua que pareça, a ruptura com a família, que marca o início da aventura de McCandless (Emile Hirsch), é uma decisão política. E político o filme de Penn permanece o tempo todo em que seu personagem ziguezagueia pelo território americano até encontrar-se isolado dentro de um ônibus no Alasca. Uma política surda, feita de recusa, que indica um impasse nas relações e que o jovem só consegue expressar renegando.
Todos os personagens adultos com que ele cruza reiteram essa "falha". Mas Chris mantém-se fiel a um ideal.
O mais interessante é como Penn não se preocupa em ser pedagógico com seu personagem. O diretor prefere a sutileza, construída em encontros com os tipos humanos que alimentam o filme de variedade.
Na mesma medida em que Chris recusa a sociabilidade formal, ele descobre outras pessoas, modos de pensar e formas de associação.
A vantagem das pessoas que surgem em seu caminho é que todas são provisórias, podem se perder e se reatar em outro momento, o contrário da imposta pela família, da qual o personagem se afasta em definitivo.
Nestes encontros fugazes, muito mais que perdido na natureza selvagem, é que o jovem Chris afirma a humanidade.


NA NATUREZA SELVAGEM
Produção:
EUA, 2007
Direção: Sean Penn
Com: Emile Hirsch e Hal Holbrook
Onde: estréia hoje nos cines Bombril, iG Cine e circuito
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Juno é como qualquer garota, diz Page
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.