São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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Crítica/"Persépolis"

Indicada ao Oscar, animação mostra comovente e fascinante viagem ao Irã

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Um pouco como "Tropa de Elite", "Persépolis" na França gerou debates acalorados em torno de questões políticas e sociológicas, deixando aspectos técnicos e estéticos do filme em segundo plano. A polêmica começou durante o Festival de Cannes, em maio passado, onde "Persépolis" foi exibido em competição e terminou levando o Prêmio do Júri. No dia de sua exibição oficial, o governo iraniano divulgou uma nota de repúdio condenando a forma como o país é representado na obra de Marjane Satrapi.
Em meio ao interesse crescente pelas animações, "Persépolis" se destaca por ser a adaptação mais fiel possível de uma história em quadrinhos -ou romance gráfico, para usar o termo em voga. Com Vincent Paronnaud, a própria autora dos quatro volumes originais se responsabilizou pela transposição para o cinema, reproduzindo seu estilo muito pessoal, de traços simples e uso quase exclusivo do preto-e-branco. Antes de tudo, portanto, "Persépolis" é uma experiência fascinante no campo de animação (o filme recebeu uma indicação ao Oscar na categoria), com um resultado cômico e comovente, sempre original.
Assim como "Maus", de Art Spiegelman, primeiro romance gráfico reconhecido com um Prêmio Pulitzer, "Persépolis" é um relato autobiográfico radicalmente pessoal -ainda que de impacto bem inferior à obra-prima de Spiegelman, é bom deixar claro. Satrapi relata de maneira direta e franca sua infância no Irã, no fim dos anos 70, em meio à turbulência da revolução islâmica. É um depoimento que revela os sentimentos de uma menina que já experimentou certo grau de liberdade e, de repente, se vê, por exemplo, obrigada a usar um véu para esconder os cabelos quando vai para a escola.
Satrapi entrelaça muito bem a história de seu país e sua vida pessoal, sempre pelo caminho de um ponto de vista singular.
É raro ver no cinema uma representação tão honesta das vicissitudes da adolescência, sublinhadas, aqui, por uma transformação histórica que torna tudo mais difícil. A autora foi acusada de desprezar o Irã e bajular a França, país onde mora até hoje -uma reação exagerada que procura diminuir a maior qualidade de "Persépolis", que é sua recusa a cair na esparrela de defender formas de opressão em nome de "diferenças culturais". Satrapi não se omite e paga um preço por isso. "Persépolis" é, sim, crítico ao Irã, mas, ao contrário do que pregam seus detratores, defende a diferença.


PERSÉPOLIS
Produção:
França, EUA, 2007
Direção: Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi
Com (vozes): Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve e Danielle Darrieux
Onde: estréia hoje no HSBC Belas Artes, Villa-Lobos e circuito
Avaliação: bom


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