São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 2000


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9º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA
Palco da consciência


Após 25 anos, Berta Zemel volta ao palco com "Anjo Duro", monólogo sobre a vida da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999)


VALMIR SANTOS
enviado especial a Curitiba

Faz 25 anos que a atriz Berta Zemel, 65, abandonou o palco -mas não o seu entorno, dando cursos de interpretação ou pesquisando sobre o ofício que abraçou logo aos 15 anos, driblando a proibição a menores e ingressando na Escola de Artes Dramáticas (EAD) com anuência do diretor-fundador Alfredo Mesquita.
Seu último papel foi a da costureira Rosa Aparecida dos Santos em "A Volta do Messias", de Timochenco Wehbi, montada em 1975.
Simples e humilde, a personagem deixa o interior para trabalhar na metrópole e enlouquece com as falsas promessas.
Aliás, a loucura cobra a razão artística de Berta desde o início. Ela estreou interpretando Ophélia em "Hamlet", dirigida por um introvertido Sérgio Cardoso. Tinha 19 anos em 1956 quando topou com a personagem que mergulha na insanidade, tantas são as adversidades colocadas em seu caminho na tragédia de William Shakespeare.
Nesta semana, ela voltou à cena como a psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999) em "Anjo Duro", na Mostra Oficial do 9º Festival de Teatro de Curitiba. O monólogo, escrito e dirigido por Luis Valcazaras, é um recorte biográfico da médica que revolucionou o tratamento para portadores de doenças mentais, introduzindo métodos alternativos para os pacientes, envolvendo, por exemplo, artes plásticas e a lida com animais, sobretudo gatos.
Berta apresentou-se no teatro Paiol, cuja arquitetura circular e rústica um dia abrigou depósitos de munições. Foi naquele mesmo palco que o ator Rubens Corrêa (1931-1996) encenou outro monólogo, "Artaud", no início dos anos 90.
Há uma cena em "Anjo Duro" na qual Berta interpreta Corrêa interpretando Artaud (foi a própria Nise quem sugeriu a montagem sobre o teórico francês que escreveu "O Teatro e Seu Duplo").
Na tarde de segunda, dia seguinte à "reestréia" em Curitiba, Berta conversou com a Folha sobre a sua volta -estréia no Sérgio Cardoso em 28 de abril-, a interrupção na carreira e os meandros da interpretação.

HIATO -
"Nos meus 15 anos de carreira efetiva, eu tive muita sorte, muito sucesso, o público foi sempre generoso. Mas eu acho que vivo num país com muitas necessidades, culturais, educacionais, políticas, enfim, de toda ordem. Não posso entrar no palco apenas para o meu prazer, para me divertir, ser aplaudida e ficar feliz. Claro, é uma profissão, mas eu queria mais. De repente, dei uma parada longa, de 25 anos. Mas, nessa parada, eu cumpri aquela parábola de seguir o caminho, fazer um desvio muito grande para o autoconhecimento e retomar o mesmo caminho, agora mais completo, com mais informações para seguir adiante."

OPHÉLIA -
"Sou formada pela EAD na época do Alfredo Mesquita. A minha estréia profissional aconteceu no Teatro Sérgio Cardoso, que, na época, chamava-se Teatro Bela Vista. Fiz Ophélia com 19 anos, dirigida pelo Sérgio Cardoso. Ophélia é uma personagem deslocada, marginal, que é jogada por todos os personagens, sem poder agarrar-se a nada. O Laércio a trata como irmãzinha muito protegida, o pai pouco conhece, o Hamlet a chama de tudo quanto é nome, então ela enlouquece."

SÉRGIO CARDOSO -
"Era uma figura ímpar. Era ator, diretor... Acho que ele vivia num mundo à parte, eu também sou um pouco assim "bicho-do-mato", que não sabe conversar com as pessoas. O Sérgio passava o tempo todo fechadão, chegava três horas antes no teatro e se trancava. Mas eu tinha sorte de conseguir conversar com ele. Aprendi muito."

MAMBEMBEAR -
"Quando viajei para a França no final dos anos 60, era uma época de festivais, havia companhias do mundo todo. Lembro de um grupo africano que apresentou uma história trazida das raízes do povo. Era um Macbeth? Sim, mas era a história deles, com uma força! E me perguntei o porquê de não se fazer isso no Brasil. Voltei, montei meu grupo mambembe, o Teatro Móvel de São Paulo, e viajei pelo país."

AULA -
"A primeira coisa que a gente faz com ator jovem é tirar a ansiedade dele. E isso demora. Alguns conseguem, a maioria não. Ele quer logo ser famoso. No fundo, fazer teatro é querer ser amado. Eu costumo dizer que quem faz teatro é uma gente especial, uma pessoa generosa e cheia de compaixão, uma pessoa que observa, que ouve e tenta dialogar e não falar sozinho. Pelo menos esse é o bom ator de teatro."

NISE DA SILVEIRA -
"Ela foi uma doadora de compaixão. Não a compassiva, aquela que passa a mão na cabeça e diz coitado. Se visse uma cachorrinha no lixo, ela ia tratar. Se visse um homem no pátio sendo maltratado, ela ia interferir. Era uma mulher inserida no mundo e nada do que era humano lhe era estranho."


O jornalista Valmir Santos viaja a convite da organização do festival

Saiba mais sobre o Festival de Teatro de Curitiba na Internet, em www.uol.com.br/fol

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