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9º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA
Palco da consciência
Após 25 anos, Berta Zemel volta ao palco com "Anjo Duro", monólogo sobre a vida da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999)
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VALMIR SANTOS
enviado especial a Curitiba
Faz 25 anos que a atriz Berta Zemel, 65, abandonou o palco
-mas não o seu entorno, dando
cursos de interpretação ou pesquisando sobre o ofício que abraçou logo aos 15 anos, driblando a
proibição a menores e ingressando na Escola de Artes Dramáticas
(EAD) com anuência do diretor-fundador Alfredo Mesquita.
Seu último papel foi a da costureira Rosa Aparecida dos Santos
em "A Volta do Messias", de Timochenco Wehbi, montada em
1975.
Simples e humilde, a personagem deixa o interior para trabalhar na metrópole e enlouquece
com as falsas promessas.
Aliás, a loucura cobra a razão
artística de Berta desde o início.
Ela estreou interpretando Ophélia
em "Hamlet", dirigida por um introvertido Sérgio Cardoso. Tinha
19 anos em 1956 quando topou
com a personagem que mergulha
na insanidade, tantas são as adversidades colocadas em seu caminho na tragédia de William
Shakespeare.
Nesta semana, ela voltou à cena
como a psiquiatra alagoana Nise
da Silveira (1905-1999) em "Anjo
Duro", na Mostra Oficial do 9º
Festival de Teatro de Curitiba. O
monólogo, escrito e dirigido por
Luis Valcazaras, é um recorte biográfico da médica que revolucionou o tratamento para portadores de doenças mentais, introduzindo métodos alternativos para
os pacientes, envolvendo, por
exemplo, artes plásticas e a lida
com animais, sobretudo gatos.
Berta apresentou-se no teatro
Paiol, cuja arquitetura circular e
rústica um dia abrigou depósitos
de munições. Foi naquele mesmo
palco que o ator Rubens Corrêa
(1931-1996) encenou outro monólogo, "Artaud", no início dos
anos 90.
Há uma cena em "Anjo Duro"
na qual Berta interpreta Corrêa
interpretando Artaud (foi a própria Nise quem sugeriu a montagem sobre o teórico francês que
escreveu "O Teatro e Seu Duplo").
Na tarde de segunda, dia seguinte à "reestréia" em Curitiba,
Berta conversou com a Folha sobre a sua volta -estréia no Sérgio
Cardoso em 28 de abril-, a interrupção na carreira e os meandros
da interpretação.
HIATO - "Nos meus 15 anos de
carreira efetiva, eu tive muita sorte, muito sucesso, o público foi
sempre generoso. Mas eu acho
que vivo num país com muitas
necessidades, culturais, educacionais, políticas, enfim, de toda
ordem. Não posso entrar no palco apenas para o meu prazer, para me divertir, ser aplaudida e ficar feliz. Claro, é uma profissão,
mas eu queria mais. De repente,
dei uma parada longa, de 25 anos.
Mas, nessa parada, eu cumpri
aquela parábola de seguir o caminho, fazer um desvio muito grande para o autoconhecimento e retomar o mesmo caminho, agora
mais completo, com mais informações para seguir adiante."
OPHÉLIA - "Sou formada pela
EAD na época do Alfredo Mesquita. A minha estréia profissional aconteceu no Teatro Sérgio
Cardoso, que, na época, chamava-se Teatro Bela Vista. Fiz Ophélia com 19 anos, dirigida pelo Sérgio Cardoso. Ophélia é uma personagem deslocada, marginal,
que é jogada por todos os personagens, sem poder agarrar-se a
nada. O Laércio a trata como irmãzinha muito protegida, o pai
pouco conhece, o Hamlet a chama de tudo quanto é nome, então
ela enlouquece."
SÉRGIO CARDOSO - "Era uma
figura ímpar. Era ator, diretor...
Acho que ele vivia num mundo à
parte, eu também sou um pouco
assim "bicho-do-mato", que não
sabe conversar com as pessoas. O
Sérgio passava o tempo todo fechadão, chegava três horas antes
no teatro e se trancava. Mas eu tinha sorte de conseguir conversar
com ele. Aprendi muito."
MAMBEMBEAR - "Quando
viajei para a França no final dos
anos 60, era uma época de festivais, havia companhias do mundo todo. Lembro de um grupo
africano que apresentou uma história trazida das raízes do povo.
Era um Macbeth? Sim, mas era a
história deles, com uma força! E
me perguntei o porquê de não se
fazer isso no Brasil. Voltei, montei meu grupo mambembe, o
Teatro Móvel de São Paulo, e viajei pelo país."
AULA - "A primeira coisa que a
gente faz com ator jovem é tirar a
ansiedade dele. E isso demora.
Alguns conseguem, a maioria
não. Ele quer logo ser famoso. No
fundo, fazer teatro é querer ser
amado. Eu costumo dizer que
quem faz teatro é uma gente especial, uma pessoa generosa e
cheia de compaixão, uma pessoa
que observa, que ouve e tenta dialogar e não falar sozinho. Pelo
menos esse é o bom ator de teatro."
NISE DA SILVEIRA - "Ela foi
uma doadora de compaixão. Não
a compassiva, aquela que passa a
mão na cabeça e diz coitado. Se
visse uma cachorrinha no lixo, ela
ia tratar. Se visse um homem no
pátio sendo maltratado, ela ia interferir. Era uma mulher inserida
no mundo e nada do que era humano lhe era estranho."
O jornalista Valmir Santos viaja a convite da
organização do festival
Saiba mais sobre o Festival de Teatro de Curitiba na Internet, em www.uol.com.br/fol
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