São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 2000


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FESTIVAL
Evento reúne música, artes plásticas, literatura e cinema para tentar unir países de língua portuguesa
Brasil ergue "Pontes Lusófonas 2000"

RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília

Desde fevereiro de 98 à frente do Instituto Camões (IC), o historiador Jorge Couto tenta levar o maior número possível de estrangeiros, brasileiros em particular, a contatar algum tipo de manifestação cultural lusa. O IC é o braço do Ministério dos Negócios Estrangeiros para promover a cultura portuguesa no exterior.
Couto, 49, é o autor do best seller "A Construção do Brasil". Em entrevista à Folha, o historiador anunciou que as "Pontes Lusófonas 2000" serão realizadas, em outubro, em São Paulo, no Rio e em Brasília.
As "Pontes" são um grande festival de música, artes plásticas, literatura e cinema para tentar unir oito países de língua portuguesa (Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, SãoTomé e Príncipe e Timor Leste).

Folha - Qual é a política do IC para o Brasil e como vocês atuam?
Jorge Couto -
Atuamos no Brasil de três formas. Com um programa de estreitamento das relações com as universidades brasileiras. Criamos a cátedra Jaime Cortesão na USP (história), a cátedra padre Antonio Vieira na PUC do Rio (literatura) e celebramos acordos com a PUC de Minas e a UnB (Brasília).
Criamos instrumentos que favorecem a formação de quadros nas universidades brasileiras especializados em estudos portugueses, com programas de bolsas, seminários, exposições e outros eventos culturais.
Em segundo lugar, participamos regularmente de eventos como as bienais e feiras de livros de São Paulo, Rio e Porto Alegre. Quanto às estruturas fixas, temos uma sede bem equipada do IC em Brasília e estamos a criar um pólo do instituto em São Paulo. Os salões do palácio de São Clemente, no Rio, também se transformaram em pólo cultural, para atividades de música, literatura e outras manifestações artísticas.

Folha - Por que a literatura concentra a maioria das manifestações culturais portuguesas de alcance internacional?
Couto -
Não é só a literatura. Há realmente um surto de grandes escritores que estão a se firmar pelo mundo afora. Mas a música, o cinema, a arquitetura e as artes plásticas também experimentam uma expansão internacional. Sublinharia ainda a grande importância do cinema português. Começa a se verificar uma presença constante de cineastas portugueses no festival de Gramado.

Folha - Os franceses têm a Aliança Francesa. Os ingleses, o British Council. Os norte-americanos, a Thomas Jefferson. Em que momento Portugal sentiu necessidade de fazer a sua investida internacional?
Couto -
Em meados da década de 80, Portugal começou a definir uma política de internacionalização da sua cultura, e, em 92, criou-se o Instituto Camões. O IC nasceu da fusão de um instituto que funcionava no Ministério da Educação com a direção dos serviços de relações culturais externas do Ministério dos Negócios Estrangeiros (relações exteriores).
O IC tem vindo a aperfeiçoar-se, a contratar profissionais qualificados e não age isoladamente. Atua no exterior e, sempre que possível, em colaboração com o Icep, universidades, fundações. Promove um diálogo entre criadores e agentes culturais.

Folha - O Brasil parece caminhar para ser uma reprodução da matriz cultural anglo-saxônica. Há público brasileiro interessado na cultura portuguesa? O IC não pode estar a jogar dinheiro fora ao investir no Brasil?
Couto -
Não. São coisas diferentes. Uma coisa é a globalização, os meios de comunicação, a música e o cinema anglo-saxônicos que têm uma predominância mundial. Mas isso não esbate o ponto fundamental, que é o da pluralidade, do multiculturalismo. Todas as culturas têm o seu lugar e, tal como a biodiversidade, essas culturas são uma riqueza a preservar. Com as fronteiras econômicas em diluição e a formação de grandes blocos (UE, Nafta, Mercosul e outros), a cultura é o cimento das identidades.

Folha - Qual é a maior demanda brasileira da cultura portuguesa?
Couto -
É uma demanda diversificada, mas a literatura continua a suscitar o maior interesse. O caso do escritor José Saramago é a consagração de um movimento ascendente que a literatura conhecia desde a década de 80.

Folha - E qual é a grande lacuna da cultura brasileira em Portugal?
Couto -
Faz falta uma instituição brasileira similar à portuguesa (IC), para que promovesse regularmente a ida de escritores, cineastas e artistas plásticos a Portugal. Existe a Casa do Brasil, uma instituição privada, mas que vive da cotização dos sócios.

Folha - Desde o início das comemorações dos 500 anos da chegada à Índia (Vasco da Gama, 1498), os portugueses patrocinam estudos aprofundados sobre os descobrimentos. Esses estudos ajudaram a criar uma visão nova do papel dos colonizadores?
Couto -
A história dos descobrimentos era tradicionalmente vista só do ponto de vista de Portugal. A grande aquisição com os novos estudos é que nós passamos a estudar a chegada dos portugueses ao Oriente.
Deveríamos adotar sempre o mesmo critério em relação ao Brasil. Não estudar apenas a chegada de Cabral, mas a gente que já estava aqui. Esse foi o enfoque que eu dei no meu livro ("A Construção do Brasil"), ao dedicar mais de cem páginas do segundo capítulo ao fato de que Cabral e a sua tripulação encontraram aqui a vida dos tupiniquins, suas crenças, sua cultura material, toda uma organização política e social.

Folha - Por que o livro português no Brasil é absurdamente caro e não se faz um acordo de redução de impostos entre os dois países?
Couto -
O ministro Rafael Greca já anunciou que serão criadas facilidades nesse sentido. Mas o ideal seria que as editoras lançassem os livros em simultâneo. Com a tecnologia da comunicação e a edição eletrônica, não há por que não fazer isso. Os brasileiros Paulo Coelho e Nélida Piñon estão a ser editados em Portugal, e Augusto Abelaira e Helder Macedo, por exemplo, a serem editados e mais conhecidos no Brasil.

Folha - Qual é a importância histórica da venda dos bens da Companhia de Jesus no Nordeste, a ponto de ser o tema do seu próximo livro?
Couto -
Foi a primeira vez na Idade Moderna que, na Europa, um país nacionalizou os bens de uma congregação religiosa e os vendeu por meio de um sistema de hasta pública.
Esse sistema foi depois adotado na Espanha e na França e foi um incentivo aos movimentos liberais.
Muitos proprietários aproveitaram para arredondar as suas terras e muitos ficaram ricos ao comprar os bens dos jesuítas que se concentravam em patrimônio urbano -era muito grande: casas, sobrados, trapiches, armazéns e uns poucos engenhos.


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