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OSCAR
NEGROS NA PREMIAÇÃO
Concorrendo a uma estatueta pela atuação como o pugilista, Will Smith descreve sua transformação
"Tive de adquirir o mesmo reflexo de Ali"
PAOULA ABOU-JAOUDE
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM NOVA YORK
Em 2000, o ator Will Smith, 34,
se sentiu um peixe fora d'água em
sua própria casa. "Minha mulher
achou que estava dormindo com
outro homem, já que engordei 15
quilos e adquiri músculos."
Smith passou por um intensivo
treinamento receitado pelo cineasta perfeccionista Michael
Mann. Ambos embarcaram com
extrema dedicação no filme "Ali",
a biografia do pugilista Muhammad Ali, com o qual Smith concorre ao Oscar de melhor ator.
Mann, esnobado pela Academia, prima pela meticulosidade
ao recontar os eventos de uma década da vida de Ali, entre 1964 e
1974. Não faltam problemas do
boxeador com as mulheres, sua
amizade com Malcolm X e a ida
ao Zaire, em 1974, onde enfrentou
o então mais bem preparado
George Foreman, na famosa luta
pelo título mundial, patrocinada
pelo ditador Joseph Mobuto.
Já menos musculoso, Smith falou à Folha, em Nova York, sobre
como se transformou no lutador.
Folha - Em princípio, você recusou o convite de Michael Mann para interpretar Ali. Por quê?
Will Smith - Não foi fácil digerir o
processo de transformação que
ele exigia. Vi uma longa estrada a
ser trilhada para ligar Will Smith a
Muhammad Ali, quando o convite me foi feito cinco anos atrás.
Michael [Mann" disse que entendia perfeitamente minha hesitação, pois ele queria veracidade no
lado físico. Quando Ali fosse atingido no ringue, eu teria de responder com os mesmos reflexos.
Ali é uma das pessoas mais famosas do mundo, e eu não queria ser
o cara responsável por bagunçar o
coreto da história desse homem
[risos". Mas, quando comecei a
assimilar melhor o processo,
achei que poderia tentar.
Folha - Como foi o processo de
transformação?
Smith - Durou 12 meses e nem
senti esse tempo passar. Trabalhei
muito. Começava o dia com uma
corrida às 6h e, em seguida, ia para um treinamento técnico de pugilismo, das 10h às 13h. Voltava ao
ringue no final do dia. Durante o
preparo físico, tinhas aulas de estudos islâmicos e dialética.
Folha - Qual foi o pior golpe que
recebeu durante o treinamento?
Smith - Foi um de Michael Bentt,
o ex-campeão mundial. Ele me
acertou em cheio. Consegui visualizar o golpe vindo em minha
direção. Então abaixei meu queixo, e ele me acertou no final da cabeça. E minha cabeça não foi para
trás, mas sim comprimida entre
meus ombros. Senti um choque
que foi do pescoço ao cotovelo e
comecei a enxergar flashes azuis
por uma fração de segundos. Você já botou a língua numa bateria
de nove volts? Foi assim. [risos"
Folha - Como descreve sua viagem à África, onde Mann filmou as
cenas da luta entre Ali e Foreman?
Smith - O filme nos levou para
África do Sul, Moçambique e Gana. Disse a Michael que gostaria
de visitar esses lugares antes, mas
ele disse que eu só pisaria na África quando toda a equipe estivesse
pronta também. Ele queria que eu
experimentasse a África do mesmo modo que Ali experimentou.
Quando você deixa de ser um
homem negro na América, onde
seu grupo representa apenas 13%
da população, e vai para a África,
onde há 99% de negros, você tem
o peso do racismo removido, pois
sua cor não é mais tema de discussão. Num certo dia Michael e eu
estávamos sentados com o presidente de Moçambique, e este último me perguntou: "Como vocês
se sentem estando aqui?". E eu
respondi: "Sinto-me muito estranho num país onde, se Michael e
eu partirmos para um quebra-pau, a polícia vai aparecer e atirar
nele". [risos"
Folha - Como foi seu primeiro encontro com Muhammad Ali?
Smith - Ele foi assistir a um dos
ensaios, quando eu estava no meu
quarto mês de preparo. Quando
percebi que ele havia sentado
num cantinho, pensei: "Ei, alguém tire esse homem daqui, pois
eu ainda não estou preparado!". A
cena ensaiada exigia que eu gritasse e jogasse várias cadeiras para o alto. Ao acabar a cena, ele disse para um de seus amigos: "Por
que você não me disse que esse
garoto era maluco?". [risos]
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