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NINA HORTA
Saçarico por terras brasileiras
Os gêmeos Torres cruzaram ares e mares até o dia de fazer gêmeas as comidas catalã e brasileira
VAMOS AOS novos livros antes
que se acumulem. Título:
"Brasil a Dois - Encontro da
Gastronomia Catalã com a Brasileira". Autor: Luiz Horta. Chefs protagonistas: os gêmeos espanhóis Javier e Sergio Torres Martinez. Editora Senac.
Conheci os gêmeos em São Paulo,
na época daqueles muitos jantares
de chefs estrangeiros, e lembro que
gostei do que comi, as entradinhas
perfeitas, os pratos saborosos. Depois voltaram para viver o livro, viver o que o autor relataria depois.
Era preciso conhecer melhor o Brasil, pesquisar nossos ingredientes,
comer e beber, visitar mercados,
restaurantes, conversar com outros
cozinheiros. A turma veio aqui em
casa com a animadora do projeto e
produtora Margot Botti.
As donas-de-casa me entenderão.
Sabe aquele dia em que tudo acabou,
a geladeira está vazia, te convidam
para jantar fora e você prefere ir ao
cabeleireiro em vez de ir ao mercado? E não é que irromperam casa
adentro os dois amigos e os gêmeos,
com vinhos... (Com certeza para
acompanhar o trivial de uma casa
brasileira, mas que comida, gemia
eu?) Mais tarde, ia ouvindo que estavam viajando, experimentando receitas, guiados por seus dois anfitriões. O livro saiu recentemente,
achei na Livraria Cultura.
A introdução é do chef Santi Santamaría, dono do restaurante onde
um deles trabalhou, e o texto é excelente, vários pontos acima dos textos de livros de comida que geralmente lemos.
Começa com a noção do duplo
-destes gêmeos catalães em especial. E vai fazendo círculos com o
conceito de duplicidade. A duplicidade da Catalunha, mar e montanha; da Espanha e do Brasil, São
Paulo e Barcelona, o mar e a montanha brasileiros, o mar e a montanha
espanhóis. E essas duplicidades todas se imbricam, se duplicam, Alice
no País dos Espelhos.
Outro motivo de reflexão é a viagem, o que é a viagem e o que causa
aos viajantes. Aqueles meninos determinados, depois de trabalharem
desde pequenos em grandes restaurantes de sua terra, viajam para o
Brasil. Aprendem o pequi, o barreado, a farofa, a cachaça, o Ver-o-Peso,
Bahia, Rio de Janeiro e Minas com
seus leitões pururucas, jilós e quiabos. A Liberdade e a pizza. Muitas
vezes, perdidos na tradução, com o
ingrediente na mão, sem nome, ou
com o nome na ponta da língua e
sem o ingrediente.
E os gêmeos Torres, boca cheia de
farofa, cruzaram ares e mares até
que chegou o dia de misturar idéias,
fazer gêmeas as comidas catalã e
brasileira. Assunto que levaram a sério. "Um exemplo pitoresco disto, da
ligação da comida e da identidade
nacional, e que é muito mais notável
ali na Catalunha do que em qualquer
outra parte, é que a ditadura franquista proibiu como manifestação
política uma coisa tão simples como
o pão com tomate. Será que existe
outro lugar no mundo em que a comida é sinônimo de uma tomada de
posição diante de uma ditadura?"
Eu só li o livro, não experimentei
as receitas. Se é boa a idéia, vamos
dar uma olhada e fazer uma coisa semelhante. E as idéias confesso que
eram boas. Vejam só. Bolinhos de
moqueca de badejo. Jilós fritos inteiros, com casca, a polpa retirada,
temperada, colocada dentro de novo, sobre uma cama de catupiry. E o
pastel de feijoada. Barreado de pato.
O gosto do pato ali condensado na
panela hermeticamente fechada, se
derretendo, não perdendo nada do
sabor, e servido com laranjinhas
miúdas e de gosto forte. Tambaqui
com banana e purê de pequi. Rabada
com coco verde. Purê de inhame
com camarões.
E last, but not least, as receitas originais dos irmãos Torres e as clássicas da Catalunha. As fotos das comidas são boas, as deles nem tanto.
Achei que valeu a pena tanto saçarico desses gêmeos pelas terras brasileiras. Gostaram também das meninas. Até voltaram. Inauguram hoje o
Eñe, no Jardim Paulistano...
ninahorta@uol.com.br
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