São Paulo, sábado, 22 de março de 2008

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Livros - Crítica/"Hibridismos Musicais de Chico Science & Nação Zumbi"

Herom Vargas afina o foco de estudos sobre o mangue beat

Obra examina movimento que transformou o Recife em influente pólo cultural

Frederico Rozario/Folha Imagem
Um dos criadores do movimento manguebeat, o cantor e compositor pernambucano Chico Science é estudado em livro da Ateliê

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Morto no auge da carreira, em um acidente de carro, o cantor e compositor pernambucano Chico Science (1966-1997), um dos idealizadores do movimento mangue beat, não viveu o suficiente para ver sua obra se tornar objeto de estudos acadêmicos.
Provavelmente nem imaginou que aquela "diversão levada a sério" (uma de suas definições para o movimento) alcançaria tamanha repercussão, inclusive no exterior. "Hibridismos Musicais de Chico Science & Nação Zumbi", de Herom Vargas, afina o foco de estudos anteriores do mangue beat empreendidos por brasilianistas norte-americanos, como Philip Galinsky e Daniel Sharp, ou pelos brasileiros Paula Lira e José Teles.
Tomando o conceito de hibridismo como instrumento de análise, examina o ideário desse movimento que transformou Recife (eleita a quarta pior cidade do mundo para se viver, na década de 80, por um instituto norte-americano de pesquisas populacionais) em influente pólo cultural, especialmente nas áreas de música e cinema.
Vargas abre o livro analisando a polêmica que acompanhou os primeiros passos dos mangueboys. Para tentar romper a estagnação da cena cultural de Recife, no início dos anos 90, Science, Fred Zero Quatro, Renato L. e outros mentores do mangue beat tiveram que confrontar as conservadoras concepções do Movimento Armorial e seu criador, o teatrólogo Ariano Suassuna.
Esse choque era inevitável. Enquanto os armorialistas defendiam a unhas e dentes as tradições populares de influências culturais externas, buscando uma arte erudita com os traços ancestrais do sertão nordestino, os mangueboys surgiram com uma atitude tipicamente antropofágica: em suas músicas, os ritmos e formas tradicionais de Pernambuco também estavam presentes, mas misturados ao rap, ao funk, ao rock e outros gêneros musicais globalizados.

Comparações
Não é por outra razão que o mangue beat costuma ser comparado, ou mesmo associado, ao movimento tropicalista do final dos anos 60.
"A cena Mangue tem uma dívida importante com o tropicalismo passível de ser medida pelo caráter experimental e antropofágico de ambos. Mesmo que os sentidos e determinados aspectos das propostas sejam distintos, na linguagem da canção suas marcas estão muito próximas e continuam a tradição da música brasileira de fusionar elementos alheios, provocando sínteses contínuas e ressemantizando códigos, instrumentos, ritmos, cantos e gêneros", observa Vargas, que dedica todo um capítulo à relação entre esses movimentos.
A maior seção é reservada a uma minuciosa análise dos dois discos gravados por Science com a banda Nação Zumbi: "Da Lama ao Caos" (1994) e "Afrociberdelia" (1996). O autor disseca o conteúdo das letras das canções, a instrumentação e as fusões de ritmos que compõem cada faixa, pontuando suas digressões com informações extraídas de entrevistas com músicos. Um livro bem-escrito e fundamentado que pode agradar tanto aos fãs do mangue beat, como aos interessados em temas como identidades culturais e pós-modernidade.


HIBRIDISMOS MUSICAIS DE CHICO SCIENCE & NAÇÃO ZUMBI
Autor:
Herom Vargas
Editora: Ateliê
Quanto: R$ 33 (242 págs.)
Avaliação: bom


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