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Crítica/"Peixe Grande"
Romance adaptado por Burton alterna melancolia e diversão
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
A leitura de "Peixe Grande", romance de Daniel
Wallace que gerou a
adaptação cinematográfica de
Tim Burton, provoca reflexões
apropriadas a este período em
que um número significativo
dos filmes concorrentes ao último Oscar tinham sua matriz
em obras literárias.
O livro de Wallace, assim como o filme de Burton, narra a
luta pessoal pela aceitação entre si de filho e pai nos momentos que antecedem a morte deste último, Edward Bloom, um
figuraça contador de histórias e
grande piadista a quem William, seu filho, não compreende em absoluto.
As histórias de Edward parecem ao filho uma espécie de
ardil utilizado pelo pai para não
mostrar suas verdadeiras fragilidades, as inconstâncias de
seu coração.
Confrontado no leito de morte, o pai diz para William:
"Ainda assim, se eu dividisse
minhas dúvidas com você, sobre Deus e amor e vida e morte,
isso era tudo o que você teria:
um monte de dúvidas. Mas
agora, veja só, você tem todas
essas ótimas piadas". "Nem todas são ótimas", responde o
filho intolerante.
Destino genético
É estranho e verdadeiro esse
movimento que as gerações
têm ao alternar temperamentos entre pais e filhos. Edward é
um sonhador, enquanto seu filho, William, é um homem
pragmático. Essa balança cíclica do destino genético faz lembrar Arthur Schnitzler, escritor
austríaco a quem Freud temia,
reputando-o como seu duplo.
Schnitzler se perguntou se "o
amor que sentíamos por nossos
pais, apesar de sua intensidade,
não teria também um componente de compaixão, inclusive
talvez de repugnância? Não havia, ao cabo, nesse amor algo
aparentado à aversão?"
É disso que trata "Peixe
Grande", de maneira melancólica e, em algumas passagens,
bastante divertida.
Não me prenderei a outros
aspectos do enredo, como por
exemplo as aventuras de
Edward Bloom (que lembram
as do nosso Pedro Malasartes),
mesmo porque suspeito que o
amigo leitor já tenha visto o filme por aí, tantas vezes exibido
até mesmo na televisão.
Isso, aliado à febre recente de
adaptações fílmicas de livros
conhecidos, faz refletir: até
quando o livro será digno de
interesse por parte do grande
público? Para que, por exemplo, ler o catatau "Reparação"
(o romance de Ian McEwan),
se podemos ir ao cinema e
ver o filme de Joe Wright em
duas horas?
Mais ainda: existe aquele
chavão de que "o livro é sempre
melhor que o filme". Pois bem,
e se não for? É o que me pergunto, com um olho na magnífica adaptação de "Peixe Grande" realizada por Tim Burton e
o outro nas páginas da fábula de
proporções míticas escrita por
Daniel Wallace. Confesso também que, nas páginas do livro
em que o velho Edward Bloom
surge, vejo a cara redonda de
Albert Finney. O que fazer?
Sei que a discussão é bizantina, mas outras lebres também
podem ser alçadas pelas orelhas: qual o interesse de publicar um livro muito depois de
sua adaptação cinematográfica
ter sido tão barateada?
Não sei, francamente. Sugiro,
porém, que o leitor aproveite
para comprar o livro, que virá
sem aquelas marqueteiras capas reproduzindo o cartaz dos
filmes. Já é alguma coisa.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra).
PEIXE GRANDE
Autor: Daniel Wallace
Tradução: Léa Viveiros de Castro
Editora: Rocco
Quanto: R$ 27,50 (184 págs.)
Avaliação: ótimo
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