São Paulo, sábado, 22 de março de 2008

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Crítica/"Peixe Grande"

Romance adaptado por Burton alterna melancolia e diversão

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

A leitura de "Peixe Grande", romance de Daniel Wallace que gerou a adaptação cinematográfica de Tim Burton, provoca reflexões apropriadas a este período em que um número significativo dos filmes concorrentes ao último Oscar tinham sua matriz em obras literárias.
O livro de Wallace, assim como o filme de Burton, narra a luta pessoal pela aceitação entre si de filho e pai nos momentos que antecedem a morte deste último, Edward Bloom, um figuraça contador de histórias e grande piadista a quem William, seu filho, não compreende em absoluto.
As histórias de Edward parecem ao filho uma espécie de ardil utilizado pelo pai para não mostrar suas verdadeiras fragilidades, as inconstâncias de seu coração.
Confrontado no leito de morte, o pai diz para William: "Ainda assim, se eu dividisse minhas dúvidas com você, sobre Deus e amor e vida e morte, isso era tudo o que você teria: um monte de dúvidas. Mas agora, veja só, você tem todas essas ótimas piadas". "Nem todas são ótimas", responde o filho intolerante.

Destino genético
É estranho e verdadeiro esse movimento que as gerações têm ao alternar temperamentos entre pais e filhos. Edward é um sonhador, enquanto seu filho, William, é um homem pragmático. Essa balança cíclica do destino genético faz lembrar Arthur Schnitzler, escritor austríaco a quem Freud temia, reputando-o como seu duplo.
Schnitzler se perguntou se "o amor que sentíamos por nossos pais, apesar de sua intensidade, não teria também um componente de compaixão, inclusive talvez de repugnância? Não havia, ao cabo, nesse amor algo aparentado à aversão?"
É disso que trata "Peixe Grande", de maneira melancólica e, em algumas passagens, bastante divertida.
Não me prenderei a outros aspectos do enredo, como por exemplo as aventuras de Edward Bloom (que lembram as do nosso Pedro Malasartes), mesmo porque suspeito que o amigo leitor já tenha visto o filme por aí, tantas vezes exibido até mesmo na televisão.
Isso, aliado à febre recente de adaptações fílmicas de livros conhecidos, faz refletir: até quando o livro será digno de interesse por parte do grande público? Para que, por exemplo, ler o catatau "Reparação" (o romance de Ian McEwan), se podemos ir ao cinema e ver o filme de Joe Wright em duas horas?
Mais ainda: existe aquele chavão de que "o livro é sempre melhor que o filme". Pois bem, e se não for? É o que me pergunto, com um olho na magnífica adaptação de "Peixe Grande" realizada por Tim Burton e o outro nas páginas da fábula de proporções míticas escrita por Daniel Wallace. Confesso também que, nas páginas do livro em que o velho Edward Bloom surge, vejo a cara redonda de Albert Finney. O que fazer?
Sei que a discussão é bizantina, mas outras lebres também podem ser alçadas pelas orelhas: qual o interesse de publicar um livro muito depois de sua adaptação cinematográfica ter sido tão barateada? Não sei, francamente. Sugiro, porém, que o leitor aproveite para comprar o livro, que virá sem aquelas marqueteiras capas reproduzindo o cartaz dos filmes. Já é alguma coisa.


JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).

PEIXE GRANDE
Autor:
Daniel Wallace
Tradução: Léa Viveiros de Castro
Editora: Rocco
Quanto: R$ 27,50 (184 págs.)
Avaliação: ótimo


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