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LIVROS
NARRATIVA/"NA PATAGÔNIA"
Sai reedição do marco na literatura de viagem, que resulta de seus seis meses passados na região
Patagônia mítica de Chatwin desafia história
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
"Fui para a Patagônia." Foi
assim, dizem, que o então
crítico de arte do jornal inglês
"Sunday Times" pediu demissão,
por telegrama, logo após desembarcar na Argentina.
Mas por que "dizem"? Porque,
quando o assunto é Bruce Chatwin (1940-1989), autor do clássico
da literatura "Na Patagônia"
(1977), pouco pode ser afirmado
com certeza. O autor britânico é
conhecido não só pelo valor literário de sua obra mas também pela sua acentuada mitomania.
Quem lê desavisadamente esse
romance e topa com descrições
como: "No litoral norte dos Primeiros Estreitos, um farol listrado
de laranja e branco se destacava
numa praia coberta de seixos cristalinos, mexilhões púrpura e o escarlate de caranguejos destroçados" terá a certeza de estar diante
tanto de um instantâneo do maravilhoso como de um registro
acurado, feito por alguém preocupado em transmitir com detalhes aquilo que está vendo.
Mas quem conhece um pouco
da fama de Chatwin duvidará não
apenas das tais listras laranjas do
farol como até mesmo do fato de
o escritor ter estado em tal praia
algum dia. Seus relatos foram seguidamente contestados por pessoas que entrevistava e que viam
suas histórias alteradas no papel.
Ainda assim, "Na Patagônia",
relançado agora por aqui, segue
sendo a mais importante referência literária sobre a região, além
de marco da literatura de viagem.
Isso porque as dúvidas sobre o
que é fato e o que é ficção apenas
potencializam a forma como
constrói um lugar fantasioso,
cheio de paisagens inóspitas, de
fauna e flora mágicos e coloridos e
que acolhia tanto a refugiados de
agruras européias como a foras-da-lei norte-americanos.
Como uma versão árida do realismo mágico latino-americano,
seu estilo também se alimentava
de uma matéria-prima que se
prestava bastante a isso.
Afinal, tudo o que Chatwin escutou nos seis meses que passou
na Patagônia foram histórias de
pessoas há muito afastadas das
origens européias e isoladas da
atualidade. Basta lembrar que o livro se passa em meados dos anos
70, quando Argentina e Chile viviam imersos em turbulência social e golpes militares, e que isso
não tem nenhuma importância
no texto. Descoladas da história,
aquelas pessoas também tinham,
elas próprias, transformado suas
existências em ficção.
Chatwin era obcecado com a
beleza. Especialista em arqueologia e em artes plásticas -havia sido diretor da Sotheby's-, o escritor era extremamente vaidoso.
Na biografia escrita por Nicholas Shakespeare, está o relato de
um de seus amigos, contando que
Chatwin, que tinha traços delicados e olhos azuis, se achava tão
belo que, mesmo dirigindo, admirava o rosto pelo retrovisor.
Morreu aos 49, em decorrência
da Aids -que tentou esconder
até o fim. Seu obituário no "The
Times" dizia: "Bruce Chatwin, o
escritor, morreu na França ontem, onde convalescia de uma rara doença nos ossos contraída na
China". Outra peça de ficção que,
coerentemente, encerrava uma
vida imersa entre fato e fantasia.
Na Patagônia
Autor: Bruce Chatwin
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 46,50 (310 págs.)
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