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Vanzolini ganha homenagem aos 85
Filme, shows e debates comemoram aniversário do compositor, nesta semana; "Não gosto de homenagens", avisa ele
Autor de clássicos do samba paulistano e zoólogo por profissão, Paulo Vanzolini fala de suas canções e de suas pesquisas sobre répteis
Divulgação
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Paulo Vanzolini e a cantora Ana Bernardo em cena do documentário musical "Um Homem de Moral"
IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Compositor, cantor, sambista, músico, poeta. Nada disso
descreve o paulistano Paulo
Vanzolini como ele gostaria.
Zoólogo? Aí, sim. Cientista?
Certo. Teórico da biodiversidade? Agora estamos chegando lá.
"O que você tem que entender, meu amigo, é que sou zoólogo", diz ele no documentário
"Um Homem de Moral", de Ricardo Dias, que tem pré-estreia
hoje no Espaço Unibanco, com
promoção da Folha.
"Nunca fiz música profissionalmente. Nunca quis perder
tempo nisso, porque nunca
considerei minha profissão",
diz Vanzolini, formado em medicina pela USP e com doutorado em biologia em Harvard.
São essas as credenciais que
lhe interessam, não o fato de
ter composto clássicos do samba paulistano como "Ronda"
("De noite, eu rondo a cidade, a
lhe procurar, sem encontrar)
e "Praça Clóvis" ou de ter inventado a expressão que dá título a "Volta por Cima" ("Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima").
Vanzolini trabalhou por
mais de 50 anos no Museu de
Zoologia da USP e foi diretor da
instituição entre 1962 e 1993,
quando se aposentou.
Mas, como não o deixam em
paz com seus répteis, o teórico
da biodiversidade, que faz 85
no sábado, vai enfrentar uma
bateria de homenagens nesta
semana.
"Não gosto de homenagens",
reclama. "Mas de show eu gosto", concede. "Pego uma cerveja e sento na mesinha da frente.
Adoro", contou à Folha na entrevista a seguir.
FOLHA - O senhor fazia a ronda em
São Paulo quando compôs "Ronda".
O senhor era cabo da polícia...
PAULO VANZOLINI - Polícia, não.
Da polícia foi o Nelson Cavaquinho. Eu era da cavalaria, que
era a polícia do Exército. Mas a
patrulha era a pé. A gente patrulhava a pé o baixo meretrício, o Bom Retiro, o centro, a
região da São João.
FOLHA - E se inspirou assim?
VANZOLINI - Cansei de ver mulher chegar na frente do bar,
olhar para dentro como se procurasse alguém e ir embora.
Não foi uma só que vi. Escrevi
sobre isso.
FOLHA - E quanto a "Volta por Cima"? Qual é a história por trás da
composição?
VANZOLINI - Não tem. Fiz porque fiz. Tem até uma história
de que fiz porque perdi um filho num acidente. Mas, na verdade, fiz a música antes.
FOLHA - O senhor ainda compõe?
VANZOLINI - Larguei. Fazia música por prazer. Perdi o gosto.
Eu estava em Mato Grosso, na
década de 80, e fiz a última,
"Quando Eu For, Eu Vou Sem
Pena". É muita mão de obra. Ficava seis meses para resolver
uma rima...
FOLHA - E o que o senhor está fazendo atualmente?
VANZOLINI - Difícil explicar. Fiz
recentemente um trabalho sobre cascavéis e alguma coisa em
cima de relatórios de impactos
ambientais.
FOLHA - O senhor ganhou dinheiro
com música?
VANZOLINI - Dinheiro, só ganhei
com "Volta por Cima". Foi a
única. Não sei por quê, deu uma
enxurrada de dinheiro. Foi em
1959, 1960. Comprava livro
sem ver o preço. Sempre coloquei tudo o que ganhei na biblioteca que tinha na minha sala do museu. Agora doei tudo
para o museu.
FOLHA - Por que quis ser zoólogo?
VANZOLINI - Pelos répteis. Fui
ao Butantan menino e gostei
muito dos répteis.
FOLHA - Quais répteis?
VANZOLINI - Répteis só existem
quatro: tartaruga, jacaré, lagarto e cobra.
FOLHA - Nunca trabalhou com sapos e rãs?
VANZOLINI - Sapo, não, graças a
Deus.
FOLHA - Seu maior orgulho é musical ou científico?
VANZOLINI - Não tenho orgulho.
Tenho satisfação. Trabalhei em
todos os Estados do Brasil. Tive
um barco no Amazonas.
FOLHA - Qual é a maior satisfação?
VANZOLINI - É a teoria dos refúgios. Sobre ciclos de vegetação
no Amazonas. O clima fica mais
seco, depois mais úmido, e acaba criando "ilhas" de vegetação
sem contato umas com as outras. O lagarto fica ali e vai se diferenciando. Quando o clima
permite que as ilhas se juntem
de novo, os lagartos já não conseguem procriar. Já são espécies diferentes.
FOLHA - Que lagarto foi esse que o
senhor estudou?
VANZOLINI - O lagarto anolis.
Mas fui o segundo. Um alemão,
estudando pássaros, publicou
três meses antes os mesmos resultados. Estava escrevendo o
meu artigo quando chegou a revista "Science" com o dele.
FOLHA - Que tragédia!
VANZOLINI - Mas o meu é original. Não usei o dele. Tenho
enorme satisfação por esse trabalho. Fiz em conjunto com Ernest Williams, cientista americano. E continuei trabalhando
até 2004, quando saí do museu.
Tive quatro úlceras hemorrágicas e três infartos na mesma
noite. Ouvi os enfermeiros falando: "O velhinho não passa
dessa noite". Fiquei com 30%
da capacidade do coração.
FOLHA - E o que senhor acha dessas
homenagens nesta semana?
VANZOLINI - Não gosto de homenagem. Mas gosto de show.
Pego minha cervejinha e sento
na mesa ali na frente. Adoro.
FOLHA - Cerveja com ou sem álcool?
VANZOLINI - Com. Isso os médicos ainda não tiraram.
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