|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
comentário
Compositor conciso disseca gente comum
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Especialista em cobras e
lagartos, Paulo Vanzolini
também se especializou na
fauna da noite paulistana,
pessoas de "perdida felicidade", que andam "pela neblina
envolvidas". Com precisão
de cientista, mas olhos de
poeta, dissecou essa gente
como nenhum compositor.
Projetos como o documentário "Um Homem de Moral" e a caixa de quatro CDs
"Acerto de Contas", de 2003,
servem, antes de tudo, para
assinalar que a galeria de
personagens de Vanzolini vai
muito além dos que estão em
"Ronda" e "Volta por Cima",
seus grandes sucessos.
Há o José, que "morreu de
saudade/ Dia 15 que passou"
("José"). Há o homem que,
insatisfeito com um casamento "na base do mais ou
menos", se queixa: "Mulher
que não dá samba eu não
quero mais" ("Mulher que
Não Dá Samba").
E muitas outras histórias
de gente comum já foram
contadas por Vanzolini. Predomina o tom menor das
melodias, e nas letras sobressai uma combinação de doçura e amargura, como se os
personagens não merecessem julgamento de homens
de moral, apenas um olhar
que exponha suas fraquezas
e sua graça. E daí eles surgem
únicos, não mais anônimos.
Como apontou Antonio
Candido no encarte de
"Acerto de Contas", Vanzolini sempre foi notório, entre
os que o conhecem, por sua
loquacidade, pelo prazer de
conversar. Mas, na hora de
compor, é geralmente conciso, monta suas tramas com
poucos traços.
Um bom exemplo é "Cravo
Branco", uma historinha em
19 versos, mas com cores fortes e sugestões várias de subtramas: um homem sai de casa satisfeito, mas morre com
um tiro no peito por causa do
ciúme que um cravo branco,
dado pela amada, despertou
em outro homem.
"Praça Clóvis" -que Chico
Buarque gravou em 1967, em
"Onze Sambas e Uma Capoeira"- é outro samba-conto com humor e um toque amargo, relato de um rapaz cuja carteira foi batida, e
nela estavam 25 cruzeiros e o
retrato da ex-amada. Considerando que o olhar dela o
"maltratava e perseguia", ele
conclui que saiu "de graça"
perder aquele dinheiro.
Seus aparentes paradoxos,
de cientista boêmio, herpetólogo compositor, loquaz
conciso, fazem de Vanzolini
um figura especial. Mas ele
nunca gostou de aparecer
muito, preferindo o posto de
observador. Sem grande voz
para cantar e sem a vocação
dramática de Adoniran Barbosa, Vanzolini ficou mais
nas sombras, olhando dali
São Paulo e o mundo.
Talvez isso até ajude a explicar sua rejeição a "Ronda",
cantada a não mais poder e
que ele não considera uma
grande composição. Embora
seja compreensível a sua posição, vale discordar. A estrutura melódica simples sustenta uma ótima história,
passada em meio à fauna da
noite paulistana, o melhor
campo de estudos desse preciso compositor diletante.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Crítica/erudito: Projeto Camargo Guarnieri traz gravações históricas Índice
|