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Memória
J.G. Ballard antecipou realidade que conhecemos
Autor inovou ficção científica ao concluir que nada é mais alienígena que a mente humana
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
escritor James Graham Ballard, que morreu no domingo, aos 78
anos, vinha lutando contra o
câncer de próstata havia muitos anos, segundo sua agente,
Margaret Hanbury.
Nascido em Xangai, em 1930,
e mais conhecido no Brasil pelas adaptações cinematográficas de suas obras do que propriamente por seus livros, J.G.
Ballard foi um antecipador das
absurdas conformações da realidade pluridimensional que
agora conhecemos.
Integrante do time de visionários de língua inglesa que por
meio da literatura diagnosticou
o "pathos" futuro da civilização
do terceiro milênio, tais como
Anthony Burgess, Kurt Vonnegut, William S. Burroughs e
Philip K. Dick, Ballard iniciou
sua carreira nos anos 50, publicando ficção científica ao lado
de outros jovens autores que,
juntos, formavam a nova onda
da FC inglesa, entre eles Michael Moorcock e Brian Aldiss.
Como todo autor que envereda pela literatura de gênero, entretanto (Vonnegut e Dick que
o digam), Ballard levou anos
para ser levado a sério por outro público que não aquele restrito ao obcecado círculo dos
leitores de FC, e ainda mais
tempo pela crítica literária.
Pioneiro ao conceber futurologias que não se baseassem exclusivamente em maquininhas
estrambóticas e ou em extraterrenos esverdeados, J.G. Ballard desenvolveu sua inovadora literatura com base na ideia
de que não existe nada mais estranho e alienígena do que a
mente humana. "Eu sou totalmente a favor de chocar a burguesia", afirmou certa vez. Sua
obra, composta por 15 romances e dezenas de contos, é o
mais duradouro testamento
dessa vontade.
Narrativa autobiográfica
Sem nunca recusar a pecha
de autor de ficção científica, porém, Ballard também praticou
outra variação narrativa rica
em ressonâncias autobiográficas, como talvez o mais conhecido de seus livros, "Império do
Sol" (levado ao cinema em 1987
por Steven Spielberg), no qual
explora a infância passada num
campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra
Mundial. Após o enorme sucesso do filme, Ballard foi descoberto por uma plateia maior.
Tamanha multiplicação de
pares de olhos postos sobre si,
no entanto, não afetou sua disposição para "épater les bourgeois", e a vertente literária iniciada por Ballard na década de
70 -notabilizada pela experimentação de linguagem de extração pós-moderna declaradamente influenciada por Burroughs e suas técnicas de colagem-, prosseguiu nos anos seguintes a Spielberg. "Crash", de
1970 (que virou filme em 1996,
sob direção de David Cronenberg), foi a gênese dessa fase e o
mais paradigmático romance
de toda a sua obra.
No livro, protagonizado pelo
homônimo James Ballard, surge o protótipo de herói ballardiano, solitário e neurótico, obtendo prazer sexual a partir da
interpenetração entre máquina e carne na qual sangue, esperma e combustível misturam-se, configurando mistura
explosiva. Potencialização de
fetiches ancestrais por meio do
bestial comportamento da psique contemporânea imersa na
desolação da paisagem de automóveis em chamas e ruínas, a
inestimável obra de J.G. Ballard consegue evidenciar o
quanto de desumano existe na
frágil concepção de "humano".
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra).
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