São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009

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Memória

J.G. Ballard antecipou realidade que conhecemos

Autor inovou ficção científica ao concluir que nada é mais alienígena que a mente humana

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

O escritor James Graham Ballard, que morreu no domingo, aos 78 anos, vinha lutando contra o câncer de próstata havia muitos anos, segundo sua agente, Margaret Hanbury.
Nascido em Xangai, em 1930, e mais conhecido no Brasil pelas adaptações cinematográficas de suas obras do que propriamente por seus livros, J.G. Ballard foi um antecipador das absurdas conformações da realidade pluridimensional que agora conhecemos.
Integrante do time de visionários de língua inglesa que por meio da literatura diagnosticou o "pathos" futuro da civilização do terceiro milênio, tais como Anthony Burgess, Kurt Vonnegut, William S. Burroughs e Philip K. Dick, Ballard iniciou sua carreira nos anos 50, publicando ficção científica ao lado de outros jovens autores que, juntos, formavam a nova onda da FC inglesa, entre eles Michael Moorcock e Brian Aldiss.
Como todo autor que envereda pela literatura de gênero, entretanto (Vonnegut e Dick que o digam), Ballard levou anos para ser levado a sério por outro público que não aquele restrito ao obcecado círculo dos leitores de FC, e ainda mais tempo pela crítica literária.
Pioneiro ao conceber futurologias que não se baseassem exclusivamente em maquininhas estrambóticas e ou em extraterrenos esverdeados, J.G. Ballard desenvolveu sua inovadora literatura com base na ideia de que não existe nada mais estranho e alienígena do que a mente humana. "Eu sou totalmente a favor de chocar a burguesia", afirmou certa vez. Sua obra, composta por 15 romances e dezenas de contos, é o mais duradouro testamento dessa vontade.

Narrativa autobiográfica
Sem nunca recusar a pecha de autor de ficção científica, porém, Ballard também praticou outra variação narrativa rica em ressonâncias autobiográficas, como talvez o mais conhecido de seus livros, "Império do Sol" (levado ao cinema em 1987 por Steven Spielberg), no qual explora a infância passada num campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Após o enorme sucesso do filme, Ballard foi descoberto por uma plateia maior.
Tamanha multiplicação de pares de olhos postos sobre si, no entanto, não afetou sua disposição para "épater les bourgeois", e a vertente literária iniciada por Ballard na década de 70 -notabilizada pela experimentação de linguagem de extração pós-moderna declaradamente influenciada por Burroughs e suas técnicas de colagem-, prosseguiu nos anos seguintes a Spielberg. "Crash", de 1970 (que virou filme em 1996, sob direção de David Cronenberg), foi a gênese dessa fase e o mais paradigmático romance de toda a sua obra.
No livro, protagonizado pelo homônimo James Ballard, surge o protótipo de herói ballardiano, solitário e neurótico, obtendo prazer sexual a partir da interpenetração entre máquina e carne na qual sangue, esperma e combustível misturam-se, configurando mistura explosiva. Potencialização de fetiches ancestrais por meio do bestial comportamento da psique contemporânea imersa na desolação da paisagem de automóveis em chamas e ruínas, a inestimável obra de J.G. Ballard consegue evidenciar o quanto de desumano existe na frágil concepção de "humano".


JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).


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