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LITERATURA
"Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século" engloba desde Machado de Assis até autores contemporâneos
Obra analisa evolução do conto nacional
ALVARO MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tomado de corpo inteiro, o retrato literário do Brasil no século
20 coube num único volume, ou
em 620 páginas, que o leitor pode
sustentar numa única mão.
"Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século" não é apenas a
mais ambiciosa e completa antologia do gênero realizada até hoje.
Para além de seu valor enquanto análise da evolução de estilos,
numa roda-viva de 77 autores
-de Machado de Assis a Fernando Bonassi-, o livro desenha
com traço concentrado o perfil de
um povo e de uma nação, das capitais infladas à decadência interiorana (veja no quadro os destaques de cada um dos períodos
abordados).
Da mesma maneira que o gênero breve obriga os autores à renúncia de preâmbulos e ornamentações, o organizador da antologia, o carioca Ítalo Moricone,
46, professor de literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, lançou mão de mais de
uma técnica para apertar o cerco.
O critério mais óbvio foi o da
"representatividade", sublinhado
no projeto encomendado pela
editora Objetiva. Assim, elegeram-se, de saída, três autores cujas escritas modelaram a produção das gerações que lhes seguiram: Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Rubem Fonseca.
Dessa "santíssima trindade do
conto brasileiro", como define
Moricone, o "pai" Rosa é a ausência fragorosa da edição. Explica-se: os herdeiros do escritor, filha e
sobrinhos, não chegaram a um
acordo com a editora Objetiva,
exigindo de 10 a 20 vezes a quantia
paga aos demais selecionados.
"Usamos um critério político, de
isonomia, e todos receberam o
mesmo, inclusive os autores mais
novos", diz Isa Pessoa, diretora-executiva do projeto.
De outro lado, sete autores caíram em domínio público, e nada
pagaram a seus herdeiros. Outros
receberam um pouco mais, já que
figuram duas ou mais vezes nos
seis segmentos cronológicos em
que se repartiu o volume.
"A repetição foi uma maneira
de destacar que há alguns nomes
principais, que produziram muito e influenciaram toda a produção literária", diz Moricone. Na
segunda metade do século, os "repetíveis" foram Lispector, Fonseca, Lygia Fagundes Telles, José J.
Veiga, Otto Lara Resende e Sérgio
Sant'Anna.
No caso de o leitor desejar completar o volume, informe-se que o
organizador havia selecionado os
seguintes contos de Guimarães
Rosa, publicados nos anos 60: "As
Margens da Alegria" e "A Terceira Margem do Rio" (do livro "Primeiras Estórias"); além de "De-
senredo" (de "Tutaméia").
"À parte a tristeza dessa lacuna,
podemos julgar que Rosa é solitário em sua grandiosidade e que
nenhum autor de contos deve a
ele, enquanto todos devem a Clarice e devem a Rubem, que instauraram uma linguagem que
prevaleceu até o final dos anos 80,
no mínimo. Com estes, passou-se
a falar das coisas urbanas de uma
forma coloquial culta", avalia Moricone.
O organizador revela, ainda,
que quando se abriu a vaga de Rosa, pensou em incluir alguma crônica-conto de Nelson Rodrigues.
Porém preferiu dar espaço a autores contemporâneos, assumindo
francamente a premissa de que a
produção do gênero se intensifica
e melhora extraordinariamente a
partir dos anos 60.
Encontra-se nas primeiras páginas do livro, no entanto, um texto
cuja matemática literária é tão
precisa que tudo o que se lê depois
tem sabor de anticlímax. O nome
do conto, passado no Rio de Janeiro do tempo dos escravos, é
"Pai contra Mãe", e o autor, Machado de Assis.
Na escolha desse título, delineia-se ainda outro procedimento da antologia: uma mesma temática é retomada ao longo das
décadas, desnudando-se assim as
nuanças de suas transformações
sociais. Percebe-se, por exemplo,
a profundidade da marca da escravidão, primeiro recortada a
bisturi por Machado. Depois de
30 anos, desabrocha o paternalismo piegas de "Negrinha", clássico
de Monteiro Lobato.
Já nos anos 50, retrata-se o preconceito dissimulado ("As Cores", jóia de Orígenes Lessa em
boa hora recuperada). Por fim,
nos anos 90 foi possível escolher
um autor negro militante: Márcio
Barbosa, com o belo e sentimental
"Viver Outra Vez" (95).
Ainda quanto a esse tema, o leitor talvez sinta falta de "A Morte
da Porta-Estandarte", de Aníbal
Machado, texto incluído em grande número de antologias. O organizador descartou-o por considerá-lo ultrapassado em seu "olhar
exterior da festa negra".
De Aníbal, Moricone preferiu o
pungente "Viagem aos Seios de
Duília", trajetória de retorno da
urbe às raízes do interior, que recebeu interessante adaptação cinematográfica nos anos 70.
A rigor, aliás, qualquer um desses cem contos seria uma ótima
escolha para o roteiro de um filme, o que dá a idéia do prazer que
o leitor sente com a leitura do volume.
Livro: Os Cem Melhores Contos
Brasileiros do Século
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Organizador: Ítalo Moricone
Lançamento: editora Objetiva (620
págs.)
Quanto: R$ 49,90
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