São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2006

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Música/Crítica

Em cenário modernoso, Marisa volta mais madura e menos diva

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O tempo fez bem a Marisa Monte. Depois de passar quatro anos distante dos palcos, a cantora e compositora retornou mais madura e focada musicalmente. Foi o que se viu e ouviu na estréia do show "Universo Particular", no Credicard Hall, em São Paulo, na última sexta. A imagem inicial do espetáculo é sintomática. Sentada entre os nove músicos da banda, na penumbra, Marisa dedilha as cordas de um ukulele (parente havaiano do cavaquinho). "Eis o melhor e o pior de mim / o meu termômetro, o meu quilate", ela sugere, entoando os versos da suave "Infinito Particular", uma das canções mais inspiradas de sua recente safra de parcerias com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. Quem ainda conserva na memória a imagem da diva revelada ao final dos anos 80, com seu repertório eclético e shows bastante teatrais, vai encontrar agora uma intérprete mais centrada na música do que nos gestos artificiais. Durante grande parte do show Marisa acompanha seus vocais com diversos instrumentos: violão, gaita, guitarra, kalimba (pequeno teclado manual de origem africana). Claro que ela não chega a frustrar o ruidoso fã-clube, que grita e delira, no meio do show, ao vê-la descer do praticável e dançar na boca de cena, enquanto canta uma seleção de sambas, como "Satisfeito" (parceria com Antunes e Brown), "Meu Canário" (de Jayme Silva) e "Para Mais Ninguém" (de Paulinho da Viola). Como cantora, tecnicamente, Marisa Monte continua a mesma. Ao longo de quase duas décadas de carreira, aperfeiçoou um estilo que já chegou ao grande público quase pronto: um jeito bem pessoal de entoar as melodias, que beira o queixume, às vezes; um opaco timbre vocal, que vai do anasalado ao levemente rouco. O que mais chama atenção agora em Marisa é seu trabalho autoral, algo evidente na concepção dos novos álbuns "Infinito Particular" e "Universo ao Meu Redor", que fornecem grande parte do repertório do show. Madura e consciente do que quer em seus discos e espetáculos, Marisa não só compõe quase tudo o que canta (em diversas parcerias), como se envolve até com os arranjos instrumentais. A formação incomum da pequena orquestra que a acompanha, com trompete, fagote, vários instrumentos de cordas, teclados e percussão, empresta um charme especial não só às novas canções de Marisa Monte. Também colore as versões de itens mais antigos de seu repertório, como "Alta Noite" (de Arnaldo Antunes), "Segue o Seco" (Carlinhos Brown) e "Ao Meu Redor" (Nando Reis), que se integram muito bem ao atual. Pena que o modernoso cenário do show destoe bastante da concepção musical da cantora. O diretor de arte e cenógrafo Wagner Baldinato idealizou enormes painéis luminosos, que também funcionam como telas de projeções de imagens. O grande problema é que esses painéis movimentam-se sobre trilhos pelo palco, desviando a atenção da platéia, em muitos momentos. Um projeto de caráter robótico que até poderia funcionar em um show da banda tecno Kraftwerk, mas que não tem nada a ver com a música acústica e delicada que Marisa Monte faz hoje.


Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor do livro "A Divina Comédia dos Mutantes", entre outros

UNIVERSO PARTICULAR    
Quando:
sex. e sáb., às 22h; dom., às 19h; até dia 28
Onde: Credicard Hall (av. Nações Unidas, 17.955, Santo Amaro, tel. 0/xx/11/6846-6000)
Quanto: de R$ 50 a R$ 120


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