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Música/Crítica
Em cenário modernoso, Marisa volta mais madura e menos diva
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O tempo fez bem a Marisa Monte. Depois de
passar quatro anos distante dos palcos, a cantora e
compositora retornou mais
madura e focada musicalmente. Foi o que se viu e ouviu na
estréia do show "Universo Particular", no Credicard Hall, em
São Paulo, na última sexta.
A imagem inicial do espetáculo é sintomática. Sentada entre os nove músicos da banda,
na penumbra, Marisa dedilha
as cordas de um ukulele (parente havaiano do cavaquinho).
"Eis o melhor e o pior de mim /
o meu termômetro, o meu quilate", ela sugere, entoando os
versos da suave "Infinito Particular", uma das canções mais
inspiradas de sua recente safra
de parcerias com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown.
Quem ainda conserva na memória a imagem da diva revelada ao final dos anos 80, com seu
repertório eclético e shows bastante teatrais, vai encontrar
agora uma intérprete mais centrada na música do que nos gestos artificiais.
Durante grande parte do
show Marisa acompanha seus
vocais com diversos instrumentos: violão, gaita, guitarra,
kalimba (pequeno teclado manual de origem africana).
Claro que ela não chega a
frustrar o ruidoso fã-clube, que
grita e delira, no meio do show,
ao vê-la descer do praticável e
dançar na boca de cena, enquanto canta uma seleção de
sambas, como "Satisfeito" (parceria com Antunes e Brown),
"Meu Canário" (de Jayme Silva) e "Para Mais Ninguém" (de
Paulinho da Viola).
Como cantora, tecnicamente, Marisa Monte continua a
mesma. Ao longo de quase duas
décadas de carreira, aperfeiçoou um estilo que já chegou ao
grande público quase pronto:
um jeito bem pessoal de entoar
as melodias, que beira o queixume, às vezes; um opaco timbre vocal, que vai do anasalado
ao levemente rouco.
O que mais chama atenção
agora em Marisa é seu trabalho
autoral, algo evidente na concepção dos novos álbuns "Infinito Particular" e "Universo ao
Meu Redor", que fornecem
grande parte do repertório do
show. Madura e consciente do
que quer em seus discos e espetáculos, Marisa não só compõe
quase tudo o que canta (em diversas parcerias), como se envolve até com os arranjos instrumentais.
A formação incomum da pequena orquestra que a acompanha, com trompete, fagote, vários instrumentos de cordas,
teclados e percussão, empresta
um charme especial não só às
novas canções de Marisa Monte. Também colore as versões
de itens mais antigos de seu repertório, como "Alta Noite" (de
Arnaldo Antunes), "Segue o Seco" (Carlinhos Brown) e "Ao
Meu Redor" (Nando Reis), que
se integram muito bem ao
atual.
Pena que o modernoso cenário do show destoe bastante da
concepção musical da cantora.
O diretor de arte e cenógrafo
Wagner Baldinato idealizou
enormes painéis luminosos,
que também funcionam como
telas de projeções de imagens.
O grande problema é que esses painéis movimentam-se sobre trilhos pelo palco, desviando a atenção da platéia, em
muitos momentos. Um projeto
de caráter robótico que até poderia funcionar em um show da
banda tecno Kraftwerk, mas
que não tem nada a ver com a
música acústica e delicada que
Marisa Monte faz hoje.
Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor
do livro "A Divina Comédia dos Mutantes", entre
outros
UNIVERSO PARTICULAR
Quando: sex. e sáb., às 22h;
dom., às 19h; até dia 28
Onde: Credicard Hall
(av. Nações Unidas, 17.955, Santo
Amaro, tel. 0/xx/11/6846-6000)
Quanto: de R$ 50 a R$ 120
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