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62º Festival de Cannes
Haneke faz ensaio sobre a gênese do terrorismo
Em Cannes, diretor diz que tema de "The White Ribbon" não se aplica só ao nazismo
Filme exibido ontem na disputa pela Palma de Ouro aborda violência e abusos em vilarejo alemão antes da Primeira Guerra Mundial
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Na reta final da disputa pela
Palma de Ouro do 62º Festival
de Cannes, o diretor austríaco
Michael Haneke fez ontem
uma retumbante entrada na
competição, com "The White
Ribbon" (a fita branca).
Além de dirigir, Haneke roteiriza o longa, que foi rodado
em preto e branco e tem duas
horas e meia de duração.
A história gira em torno de
uma comunidade protestante
de um vilarejo na Alemanha,
pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial.
O uso de uma fita branca é
imposto pelo pastor da região
aos seus filhos adolescentes,
como símbolo do ideal de manter, na vida adulta, a pureza e a
ingenuidade da infância.
Pureza e ingenuidade, no entanto, não são uma constante
no cotidiano dos moradores,
sacudido por uma série de
acontecimentos violentos.
A despeito do rigor e da severidade de princípios dos líderes
adultos do povoado (o barão, o
professor, o médico e o pastor),
até mesmo as crianças são envolvidas nas agressões, de caráter moral e sexual.
Haneke definiu o filme como
um ensaio sobre o surgimento
"das diversas formas de terrorismo", a partir da premissa de
que, "quando se erige um absoluto como princípio, ele acaba
se tornando desumano".
O diretor disse que não gostaria que "The White Ribbon"
fosse associado pelo público só
ao nazismo e à história alemã,
já que o tema "se aplica a todas
as sociedades e fanatismos, seja
de direita, seja de esquerda".
No filme, os personagens se
inquietam com a possibilidade
de que os acontecimentos trágicos que os atingem sejam
uma punição aos seus atos pecaminosos. Haneke contou que
um dos títulos que ele considerou dar ao filme foi "A Mão Direita de Deus".
"Tendo crescido num ambiente judaico-cristão, é impossível não ter noção da culpa.
Isso não é algo que eu tenha inventado", disse ele.
A opção pelo preto e branco,
segundo o diretor, corresponde
ao fato de que "as imagens do
período, toda a iconografia do
final do século 19 e início do século 20 é em preto e branco".
Narrativa contida
Chama a atenção em "The
White Ribbon" a narrativa rigorosa e contida adotada por
Haneke, em contraste com suas
obras marcadas pela reflexão
sobre a construção da imagem
("Caché") e pela representação
acentuada da violência ("Violência Gratuita").
"Eu sempre procuro encontrar uma equação adequada [da
mise-en-scène] ao tema que é
representado", afirmou ele.
A seleção das crianças que
atuam no longa consumiu seis
meses e 7.000 testes. "Era muito importante encontrar crianças que correspondessem fisicamente às imagens que conhecemos do período", disse
Haneke. "Mas, embora a aparência física seja importante,
obviamente o fundamental é o
talento", ponderou.
O desempenho do elenco de
"The White Ribbon" é um entre seus muitos pontos fortes.
Por ser considerado amigo da
atriz Isabelle Huppert - que
ele dirigiu em "A Professora de
Piano"- e por ter apresentado
um filme relevante na competição, Haneke é apontado por
numerosos jornalistas que cobrem este Festival de Cannes
como favorito à Palma de Ouro.
A decisão do júri presidido
por Huppert será conhecida
neste domingo, quando ocorre
a entrega dos prêmios.
Ontem, durante a entrevista
coletiva de Haneke, um jornalista lhe perguntou se ele já se
sente com o prêmio nas mãos.
Sacolejando a cabeça, o cineasta respondeu apenas: "Você
quer me matar".
NO BLOG - Leia o diário do festival
folha.com.br/ilustradanocinema
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