São Paulo, sábado, 22 de maio de 2010

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Crítica/"Contos Reunidos"

Livro traz Marques Rebelo refinado e impressionista

BIA ABRAMO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Marques Rebelo (1907-1973) é uma espécie de surpresa. Não deveria, uma vez que era um contista refinado, escritor admirado por escritores e, de quebra, autor de um dos poucos romances que se debruça sobre o sistema de celebridades da era do rádio, "A Estrela Sobe" (de 1939).
Mas, como outros escritores da primeira metade do século 20 que se dedicaram aos temas urbanos, foi deixado de lado pela força coletiva do romance regionalista e, talvez, esmagado pelas unanimidades em torno de Clarice Lispector ou de Guimarães Rosa.
Nos "Contos Reunidos", a José Olympio reedita seus três volumes dedicados à narrativa curta: "Oscarina" (1933), "Três caminhos" (1933) e "Stela Me Abriu a Porta" (1942).
A intensa observação da vida do Rio de Janeiro que emerge a cada período dos contos de Marques Rebelo impressiona: aqui e ali surge uma cidade que transita de maneira rápida para a modernidade, ao mesmo tempo inventando uma vida semi-rural ou de cidade pequena nos subúrbios.

Quase cronista
Por vezes, é essa observação, expressa com o colorido de um pintor impressionista, que domina e, provavelmente, foi o que deixou a impressão de que Marques Rebelo (pseudônimo de Edi Dias da Cruz) estaria na categoria dos cronistas.
A voz lírica de contos protagonizados por crianças ou por personagens que encarnam uma certa ingenuidade do subúrbio também devem ter contribuído neste sentido. O cenário suburbano ainda não é o caldeirão de paixões extremadas e hipocrisia perversa de Nelson Rodrigues, leitor de Marques Rebelo, mas palco de uma solidão e uma melancolia já bem modernas, onde circulam pequenos funcionários, donas de casa desencantadas e moços acomodados.
Mas, embora o registro da crônica esteja espalhado pelas narrativas, Marques Rebelo, certamente um leitor aplicado de Machado de Assis, ambicionava a tensão dramática do conto -e chega a ela pelos caminhos mais interessantes.

Mão de Machado
Ora, muito machadianamente, por viravoltas no caráter de um personagem, como em "Caso de Mentira", ora por cortes temporais abruptos, talvez aprendidos no cinema, como em "Stela me Abriu a Porta".
Os recursos conferem à narrativa uma dimensão mais ampla e ambiciosa do que a nada simples, é verdade, habilidade em oferecer a visão de um lugar e uma época. Mesmo que a mão de Machado às vezes pese demais, como em "História de uma Abelha", conto com o mesmo mote do capítulo da borboleta de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", não prejudica o conjunto.
E é sempre melhor emular Machado do que, digamos, Rubem Fonseca, como faz uma nova literatura brasileira média muito cheia de si.


CONTOS REUNIDOS

Autor: Marques Rebelo
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 51 (480 págs.)
Avaliação: ótimo




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