São Paulo, Sábado, 22 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO - CRÍTICA
Filomena é um personagem em busca de autor

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Como Olímpia, a empregada enxerida de "Trair e Coçar", um tipo marcante do palco na última década, esta Filomena é um achado teatral. Foi apresentada pela primeira vez por Gorete Milagres cinco anos atrás, no festival de teatro de Belo Horizonte, ganhou fama e público e acabou na televisão.
Não chega a ser uma criação original, tirada do nada. Como Olímpia, que a atriz Denise Fraga gostava de identificar com Arlequim, Filomena também lembra as máscaras da commedia dell'arte. Na verdade, vai além, aproximando-se ainda mais do modelo.
É uma Colombina em quase tudo: está lá a comunicação direta e a improvisação, que é praticamente ininterrupta em "Filomena"; também está lá, é claro, o desenho original da empregada nada submissa, sempre a se intrometer e desafiar. Mas a Filomena de Gorete Milagres, que se orgulha de sua rigorosa formação de atriz, vai ao limite: parece ecoar aqui e ali os "lazzi", os números mais tradicionais da commedia dell'arte.
A atriz e seu personagem têm tanto de Arlequim e Colombina quanto, por outro lado, do caipira das comédias populares, um tipo corriqueiro no palco brasileiro desde o século 19. Desde França Jr., por exemplo, autor que parece inspirar a atriz em pelo menos um quadro de "Filomena".
Gorete Milagres é de uma capacidade de improvisação aparentemente sem fim. Não conta piadas, mas age e reage comicamente com a platéia, sem texto definido. Tem a trama básica, da empregada doméstica que se apresenta no teatro pensando tratar-se de uma agência de empregos. Mas é só.
O restante são cenas, quadros esboçados que se estendem ou não conforme se encaminha a apresentação. A platéia do espetáculo visto pelo crítico sabia bem das regras e fazia seguidas intervenções, provocava, testava a atriz. Em momento nenhum Gorete Milagres titubeou nas improvisações.
Mas não se pode dizer que "Filomena" tenha só o que ganhar, com a sua opção pela improvisação. Ao terminar, a peça deixa um vazio, uma frustração quanto aos seus propósitos para além da diversão mais direta, até infantilizada.
Os esforços para demonstrar seriedade de propósitos, como num quadro sobre a Aids ou numa passagem sobre o voto de cabresto no interior do Brasil, não ajudam a definir a peça e chegam a soar paternalistas. "Filomena" ressente-se de um texto à altura do impacto e do potencial teatral do personagem.
Por outro lado, para um espetáculo que se quer teatral, afinal de contas, "Filomena" exigiria maior atenção ao cenário e principalmente à iluminação: o público passa a maior parte do tempo sob dolorosa luz de serviço.


Avaliação:


Peça: Filomena
Texto e direção: Gorete Milagres
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h
Onde: teatro Imprensa (r. Jaceguai, 400, tel. 011/239-4203)
Quanto: R$ 15 (sex. e dom.) e R$ 20 (sáb.)



O colunista José Simão está em férias.


Texto Anterior: Design: Brasileiro ganha prêmio de revista
Próximo Texto: "É..." volta datada
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.