São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2000


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CRÍTICA
Filme é drama ético em terra devastada

DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Meu nome é Joe e estou há cento e tantos dias sem beber." Com essa frase, dita numa reunião dos Alcoólicos Anônimos, começa o filme de Ken Loach.
Mas, ao contrário do clássico "Farrapo Humano" (1945), de Billy Wilder -outro grande filme centrado na vida de um alcoólatra-, "Meu Nome É Joe" não vai mostrar de que modo a relação do protagonista com a bebida determina sua relação com o mundo, e sim o oposto.
Vivendo do seguro-desemprego e de pequenos bicos para sobreviver num bairro operário de Glasgow (Escócia), Joe (Peter Mullan) é um dos personagens mais pungentes do cinema contemporâneo. O filme, em resumo, é sua odisséia cotidiana para exercer sua liberdade e sua integridade num mundo em que tudo conspira contra.
O primeiro achado de Ken Loach e seu roteirista Paul Laverty é este: em vez de apresentar seu personagem como uma vítima de quem sentimos pena, eles põem em cena um homem cheio de energia e revolta, que resiste com unhas e dentes a deixar de ser gente.
A segunda opção engenhosa do filme é fazer de Joe, como treinador de um time de futebol amador, um catalisador de destinos igualmente trágicos. Desempregados, bêbados, drogados, pequenos marginais: todos têm seu momento de graça (em todos os sentidos da palavra) ao correr atrás de uma bola num campo enlameado.
A margem deixada para a vida e para a beleza é muito estreita nas periferias da sociedade globalizada. Mais estreito ainda é o espaço para a conduta moral. E o escopo de "Meu Nome É Joe" é basicamente moral: trata-se de investigar de que maneira o sentimento ético do indivíduo reage às condições mais adversas de temperatura e pressão.
No meio de tudo há uma história de amor, entre Joe e Sara, uma madura e vivida assistente social (Louise Goodall). Seu desencontrado romance ajuda-nos a ver Joe por inteiro. Além disso, a entrada em cena de Sara coloca em relevo os limites da ação humanitária num quadro social intrinsecamente desumano.
Mas, se as palavras de Ken Loach na entrevista acima podem soar como um discurso anacrônico nesta época de esvaziamento da política, seu filme não tem nada de panfletário ou proselitista.
Sua força está em mostrar, com uma câmera escrupulosamente discreta e eficiente, uma terra devastada e trazer para o primeiro plano um punhado de indivíduos singulares.
Se os "milhões de desempregados" são apenas números, cada um dos personagens de "Meu Nome É Joe" -do gângster de quarteirão à jovem que se prostitui por um punhado de drogas- é um ser complexo, imprevisível, cheio de arestas. Em cada um deles pulsa a vontade de viver e brilhar, por mais que os paralise o medo da miséria e da morte. Encenar esses dramas como quem filma um documentário é o grande mérito de Ken Loach.
"Meu Nome É Joe" retira os "excluídos" dos discursos políticos e das estatísticas e joga-os na tela, obrigando-nos a conviver com eles por um par de horas. Bom divertimento. (JGC)



Meu Nome É Joe
My Name Is Joe      Produção: Grã-Bretanha, 1998 Direção: Ken Loach Com: Peter Mullan, Louise Goodall Quando: a partir de hoje no cine Top Cine 1




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