São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2001

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"BICHO DE SETE CABEÇAS"

Filme de protesto traz de volta a indignação

BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA

Os primeiros 15 minutos do longa-metragem de estréia de Laís Bodanzky, "Bicho de Sete Cabeças", dão a impressão de que se trata de uma história de geração. Um filme que fala dos problemas do jovem.
A montagem é ágil e tem, aqui e ali, alguma influência de clipes e MTV. As canções são de Arnaldo Antunes. O protagonista discute com os pais, fuma seu baseado e faz algumas pichações nos muros da cidade.
É como se ali começasse mais um desses relatos da experiência do jovem que, publicados em livro, quase sempre são devorados como exemplos didáticos para a compreensão dos pais e a identificação dos adolescentes, todos carentes de um diálogo que o relato vem explicitar.
E, de fato, o filme é baseado no livro "Canto dos Malditos", de Austregésilo Carrano Bueno, que narra sua descida aos infernos do sistema psiquiátrico brasileiro, depois de ter sido internado num manicômio, nos anos 70, pelo próprio pai, por causa de um simples cigarro de maconha.
Essa experiência, entretanto, muda tudo. E a indignação que poderia estar restrita a um caso de geração, à adolescência, a um momento difícil da vida, passa a ser exigência para a compreensão do mundo.

Sistema infernal
Assim como não se trata apenas de um "retrato do jovem", seria injusto reduzir a experiência que narra o filme a uma metáfora social, a um "retrato do país", uma tendência comum à crítica brasileira.
Mas é uma tentação inevitável. A história narrada em "Bicho de Sete Cabeças" é emblemática de uma situação social absurda.
Uma vez tendo passado pelo hospício ou clínica psiquiátrica, o encanto está quebrado e é impossível manter a ilusão de um mundo coeso.

Loucura social
"Bicho de Sete Cabeças" mostra que, num país como o Brasil, a passagem pelo hospício faz a loucura social ser incorporada pelo sujeito.
O hospício personaliza a loucura difusa do funcionamento social. É aquilo que torna o indivíduo, a despeito do uso do clichê, um reflexo ambulante da sociedade.
O protagonista de "Bicho de Sete Cabeças" é vítima da ignorância dos pais e do sadismo dos que, infelizes com a sua própria condição subjugada e medíocre, não podem suportar nos outros a liberdade que lhes foi negada -é o caso dos enfermeiros, que exercem com especial prazer e truculência o processo de submissão do rapaz.
Mas ele é vítima sobretudo de um sistema corrupto: o médico responsável pelo manicômio mantém o rapaz interno, embora saiba que ele não é doente, porque precisa preservar o próprio emprego e atender as exigências da direção, preenchendo um número mínimo de vagas para receber o repasse do Estado.
O mal-estar que o filme produz no espectador é resultado do confronto com uma realidade social viciada, que só pode ser entendida pela indignação. "Bicho de Sete Cabeças" é um filme de protesto. Um gênero que andava fora de moda.


Bicho de Sete Cabeças
    
Direção: Laís Bodanzky
Produção: Brasil, 2000
Com: Rodrigo Santoro, Cássia Kiss, Othon Bastos
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Espaço Unibanco, Jardim Sul, Top Cine e circuito




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