|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Compositor pioneiro da eletroacústica no país diz que gênero já traz há décadas características ouvidas hoje no tecno
Jorge Antunes clama pelo real eletrônico
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A música eletrônica brasileira já
está quarentona e seu primeiro
criador é hoje um respeitável sexagenário. Proclamando "a vanguarda sou eu", o compositor carioca Jorge Antunes, pioneiro da
música eletroacústica no Brasil,
recebe homenagens no exterior e
lança livro em comemoração de
seus 60 anos de idade, completados em abril.
Antunes viajou anteontem à
Holanda, a convite da Fundação
Gaudeamus e do Conservatório
de Zwolle, para uma série de concertos em sua homenagem, que
ocorrem até dia 28.
Além disso, ele foi escolhido pelo Ministério da Cultura da França, para receber o título de "Chevalier des Arts et des Lettres"; e
acaba de lançar, pela Sistrum Edições Musicais, de sua propriedade, o livro "Uma Poética Musical
Brasileira e Revolucionária".
Trata-se de uma reunião de vários textos, analisando diversas
partituras de autoria de Antunes.
Ao todo, são 22 autores, incluindo
compositores como Gilberto
Mendes e Ricardo Tacuchian, e
intérpretes como Henrique Autran Dourado e Martha Herr.
A obra ajuda a compreender a
trajetória do compositor desde
seus primeiros experimentos com
música eletroacústica, nos anos
60 (em 1965, fundou o Centro de
Pesquisas Cromomusicais, no Rio
de Janeiro, para investigar a correspondência entre cor e som),
até o presente seu mais ambicioso
projeto é viabilizar a encenação
da ópera "Olga", sobre a revolucionária alemã que foi casada
com Luiz Carlos Prestes.
O que se chama hoje de música
eletroacústica é a fusão de duas
tendências vanguardistas surgidas na Europa, no final dos anos
40, e inicialmente antagônicas: a
música concreta, que manipulava
eletronicamente sons pré-gravados, como ruídos e vozes; e a música eletrônica, que trabalhava exclusivamente com sons eletronicamente produzidos.
A primeira obra de música concreta feita no Brasil foi "Si Bemol",
de Reginaldo de Carvalho, de
1956, enquanto a música eletrônica nasce por aqui com "Pequena
Peça para Mi Bequadro e Harmônicos" (1961), de Jorge Antunes.
Fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica, Antunes se diz "chocado" pela mídia chamar indiscriminadamente de "música eletrônica" tanto a produção dos compositores eruditos de vanguarda,
quanto a música de pista dos DJs,
que ele acusa de "ingenuidade" e
"ignorância técnico-histórica".
"Os sons que os DJs produzem
hoje, tais como o "scratching", o
"groove noise", os "CD glitches", o
"tape hiss", pensando serem novidades, estão presentes nas primeiras obras eletroacústicas que fiz
entre 1961 e 1965", afirma.
Estas obras dos anos 60 estão
presentes em CD a ser lançado pelo selo ABM Digital, da Academia
Brasileira de Música. "Espero que
os jovens desinformados ouçam o
meu disco e digam: "Estamos atrasados! O Antunes já fazia isso há
30 anos!". No CD estará incluída
minha obra intitulada "Movimento Browniano", que, por ter muito
ritmo igual e polirritmia vasta, caberá muito bem em qualquer festa "rave-cult" de hoje."
O compositor, contudo, se diz
aberto a experiências com a música de pista. "Hoje, em 2002, não
tenho preconceitos. Tenho projetos de utilização, em minha música, deste novo primitivismo jovem. O toca-discos, em vez de ser
máquina de tocar gravações, tem
sido usado agora como instrumento musical pelos DJs. Pretendo avançar, fazendo obras em que
usarei DJs como instrumentos,
minhas ferramentas", diz.
Embora o título do livro fale em
"poética brasileira", Antunes rejeita vigorosamente o nacionalismo. "O nacionalismo musical,
além de seus ranços patrióticos e
xenófobos, simplesmente tratou
de roubar saber popular, eruditizá-lo, dar-lhe roupagem nova, para depois levar o resultados aos
salões e concertos em que o povo
não tem acesso."
No ano 2000, ele foi, ao lado de
Egberto Gismonti, Almeida Prado, Edino Krieger e Ronaldo Miranda, um dos cinco compositores escolhidos pelo Ministério da
Cultura para compor uma sinfonia em comemoração ao 500º aniversário do Descobrimento do
Brasil. Sua "Sinfonia em Cinco
Movimentos" foi, ao lado das peças dos outros quatro autores,
gravada em CD duplo pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, regida por Silvio Barbato.
UMA POÉTICA MUSICAL BRASILEIRA E
REVOLUCIONÁRIA. Autor: Jorge
Antunes (org.). Editora: Sistrum Edições
Musicais. Preço: R$ 49 (366 págs.).
Texto Anterior: Repercussão Próximo Texto: Frase Índice
|