São Paulo, sábado, 22 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Compositor pioneiro da eletroacústica no país diz que gênero já traz há décadas características ouvidas hoje no tecno

Jorge Antunes clama pelo real eletrônico

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A música eletrônica brasileira já está quarentona e seu primeiro criador é hoje um respeitável sexagenário. Proclamando "a vanguarda sou eu", o compositor carioca Jorge Antunes, pioneiro da música eletroacústica no Brasil, recebe homenagens no exterior e lança livro em comemoração de seus 60 anos de idade, completados em abril.
Antunes viajou anteontem à Holanda, a convite da Fundação Gaudeamus e do Conservatório de Zwolle, para uma série de concertos em sua homenagem, que ocorrem até dia 28.
Além disso, ele foi escolhido pelo Ministério da Cultura da França, para receber o título de "Chevalier des Arts et des Lettres"; e acaba de lançar, pela Sistrum Edições Musicais, de sua propriedade, o livro "Uma Poética Musical Brasileira e Revolucionária".
Trata-se de uma reunião de vários textos, analisando diversas partituras de autoria de Antunes. Ao todo, são 22 autores, incluindo compositores como Gilberto Mendes e Ricardo Tacuchian, e intérpretes como Henrique Autran Dourado e Martha Herr.
A obra ajuda a compreender a trajetória do compositor desde seus primeiros experimentos com música eletroacústica, nos anos 60 (em 1965, fundou o Centro de Pesquisas Cromomusicais, no Rio de Janeiro, para investigar a correspondência entre cor e som), até o presente seu mais ambicioso projeto é viabilizar a encenação da ópera "Olga", sobre a revolucionária alemã que foi casada com Luiz Carlos Prestes.
O que se chama hoje de música eletroacústica é a fusão de duas tendências vanguardistas surgidas na Europa, no final dos anos 40, e inicialmente antagônicas: a música concreta, que manipulava eletronicamente sons pré-gravados, como ruídos e vozes; e a música eletrônica, que trabalhava exclusivamente com sons eletronicamente produzidos.
A primeira obra de música concreta feita no Brasil foi "Si Bemol", de Reginaldo de Carvalho, de 1956, enquanto a música eletrônica nasce por aqui com "Pequena Peça para Mi Bequadro e Harmônicos" (1961), de Jorge Antunes.
Fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica, Antunes se diz "chocado" pela mídia chamar indiscriminadamente de "música eletrônica" tanto a produção dos compositores eruditos de vanguarda, quanto a música de pista dos DJs, que ele acusa de "ingenuidade" e "ignorância técnico-histórica".
"Os sons que os DJs produzem hoje, tais como o "scratching", o "groove noise", os "CD glitches", o "tape hiss", pensando serem novidades, estão presentes nas primeiras obras eletroacústicas que fiz entre 1961 e 1965", afirma.
Estas obras dos anos 60 estão presentes em CD a ser lançado pelo selo ABM Digital, da Academia Brasileira de Música. "Espero que os jovens desinformados ouçam o meu disco e digam: "Estamos atrasados! O Antunes já fazia isso há 30 anos!". No CD estará incluída minha obra intitulada "Movimento Browniano", que, por ter muito ritmo igual e polirritmia vasta, caberá muito bem em qualquer festa "rave-cult" de hoje."
O compositor, contudo, se diz aberto a experiências com a música de pista. "Hoje, em 2002, não tenho preconceitos. Tenho projetos de utilização, em minha música, deste novo primitivismo jovem. O toca-discos, em vez de ser máquina de tocar gravações, tem sido usado agora como instrumento musical pelos DJs. Pretendo avançar, fazendo obras em que usarei DJs como instrumentos, minhas ferramentas", diz.
Embora o título do livro fale em "poética brasileira", Antunes rejeita vigorosamente o nacionalismo. "O nacionalismo musical, além de seus ranços patrióticos e xenófobos, simplesmente tratou de roubar saber popular, eruditizá-lo, dar-lhe roupagem nova, para depois levar o resultados aos salões e concertos em que o povo não tem acesso."
No ano 2000, ele foi, ao lado de Egberto Gismonti, Almeida Prado, Edino Krieger e Ronaldo Miranda, um dos cinco compositores escolhidos pelo Ministério da Cultura para compor uma sinfonia em comemoração ao 500º aniversário do Descobrimento do Brasil. Sua "Sinfonia em Cinco Movimentos" foi, ao lado das peças dos outros quatro autores, gravada em CD duplo pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, regida por Silvio Barbato.


UMA POÉTICA MUSICAL BRASILEIRA E REVOLUCIONÁRIA. Autor: Jorge Antunes (org.). Editora: Sistrum Edições Musicais. Preço: R$ 49 (366 págs.).



Texto Anterior: Repercussão
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.